sexta-feira, 29 de abril de 2011

— A curiosidade matou o gato...
— Vai ter baile amanhã a noite na fazenda vizinha.
— É, eu soube...
— Vou até lá, conheci uma garota na cidade hoje e quero fazer amizade, parece que a fazenda do pai dela está quase falindo com os ataques do chupa cabras.
— Está bem, eu também vou, parece que muita gente vai...
— É...
— O teu novo peão parece que não gosta muito de mim, vi o jeito que ele me olhou quando cheguei...
— Freire é um bom empregado...
— Te encontro no baile amanhã...
Amanhã... amanhã chegou e o baile também, era um desses bailes de interior, mas muito divertido por sinal.
Acabamos por sentar juntos, eu, Alice, Aléc, Freire, Diana e Bento, um casal de namorados que conhecemos naquele baile, eram filhos de fazendeiros da região.


A festa não foi das piores, mas não me rendeu muitas informações e nem deve ter rendido para Aléc, mas voltamos para os nossos lares menos estressados do que antes.
No dia seguinte Paola acabou voltando para casa, feliz como um passarinho e chamando nosso alto chefe de tarado.
E eu nem sabia que isso poderia ser uma verdade...
O resto daquela semana correu calmamente, mas naquele fim de semana eu ia presenciar algo que me deixaria no mínimo boquiaberta.
Eu havia me acostumado naqueles últimos dias a cavalgar todo o entardecer acompanhada por Freire e algumas vezes por Paola também, mas talvez eu não tenha dito nada sobre isso para Aléc, mesmo porque não tinha nada o que dizer, mas no sábado a tarde ele apareceu na fazenda, Paola estava em casa, não havia ido cavalgar naquela tarde, recebeu-o calmamente como sempre:
— Onde está a tua amiga?
— Saiu para cavalgar.
— Com tanta coisa para fazer ela fica por aí... brincando!
— Foi com Freire, costumamos fazer isso todas as tardes, assim verificamos as cercas e a fazenda.
— Ah, como sempre tu a defende, deviam ser irmãs de verdade.
— Aléc, ela está trabalhando...
Quando cheguei ele não estava muito bem humorado, Paola nos deixou e foi até a cocheira falar algo com Freire.
— Se dá bem com esse teu empregado!
— Ele é muito competente, assim como os outros.


— Mas não sai com os outros sozinha para cavalgar?
— Não... e nem com Freire, somente hoje porque a Paola não pode ir.
— Quero que tu demita ele.
— Mas por que isso?
— Porque eu quero!
— Aléc, tu não pode fazer isso, ele não fez nada de errado.
— Tu anda muito amiguinha dele, não quero isso.
— Aléc! O que tem isso com a missão?
— Eu convenci meu pai a devolver a tua amiga, agora vê se faz o que eu tô pedindo?
— Teu pai é um velho tarado, por isso não queira que a Paola ficasse por lá.
— E esse teu empregado não passa de um tarado também!
— Aléc! Por favor!
— Não!
— Aléc, ele está sendo útil...
Desta vez eu vi Aléc perder a paciência comigo, segurou meus braços e me obrigou a encará-lo:
— Está bem, deixe ele por aí, mas não quero saber de amizades por aqui, entendeu? Tu me deve obediência, não me obrigue a perder a paciência contigo.
— Aléc, eu não estou te entendendo, além do que, eu só estou seguindo o que a organização me ensinou, preciso fingir que sou uma pessoa normal, me aproximar das pessoas, ao menos foi isso que teu pai me ensinou.


— Não é ao meu pai que tu deves obedecer, não foi ele que te trouxe para a ACO!
— O que? Então quem foi que me colocou nisso?
— Eu...
— O que?
— Já te falei uma vez, tu foi um presentinho que me deram por ser um bom agente.
— Sabe de uma coisa Aléc, tu anda me falando muitas coisas sem nexo, preferia que tu falasse com clareza ou não falasse de uma vez por todas. Tu me trouxe para a ACO, ótimo, então tu é o responsável por transformar a minha vida num inferno, por sumir com a minha família... vai embora daqui! Me deixa em paz! Some da minha vida, some!!!
— Não vou sumir e tu vai aprender a me obedecer... Aléc saiu mas deixou no ar todas as dúvidas que poderia deixar.
— Taemy, o Aléc já foi embora? Paola havia entrado na casa, na certa havia topado com Aléc na saída.
— Foi, mas antes conseguiu me irritar ainda mais.
— O que queria desta vez?
— Queria que eu mandasse o Freire embora...
— E tu?
— Claro que não mandei, ele é um ótimo empregado, além disso eu sei muito bem que tu andas interessada nele.
— E o que mais o Aléc falou?
— Disse que não foi o pai dele que me trouxe para a ACO, mas ele... então eu joguei na cara dele que ele era culpado de tudo de mal que me aconteceu.


— Não entendo esse Aléc, para mim e para o Hudson ele não passa de um colega, mas contigo ele chega a ser cruel.
— Mas eu não vou deixar ele me vencer...
Uma depressão começou a se apoderar de mim desde aquele dia, não saí mais de dentro de casa, Paola era a responsável por cuidar de tudo, recebia a ajuda de seu Chico e Freire, mas a desgraça ainda iria crescer.
Numa noite de lua cheia ouvimos gritos terríveis vindos do lado das casas dos empregados, corri até lá junto com Paola, na frente da casa de seu Chico havia um pequeno aglomerado de gente. Meus olhos não podiam crer no que eu via, no chão o pobre homem estava caído, tinha o pescoço dilacerado, estava morto.
Na manhã seguinte levaram o corpo dele para o IML da cidade vizinha, Paola foi junto com a família para aguardar o que fosse preciso.
Eu não podia sair de casa, estava arrasada, ele era um dos melhores empregados e uma ótima pessoa.
A tarde Aléc apareceu na fazenda, me encontrou na sala, encolhida e com os olhos cheios de lágrimas:
— Vim ver se tu não precisa de nada.
— Não...
— Estavas chorando?
— Escuta Aléc, eu tenho direito de ter sentimentos, o homem que morreu aqui no meu terreiro era um ser humano... droga! Eu tenho direito de ter medo! Eu gritei, estava cansada, chorava descontroladamente agora.
— Taemy... se tu soubesse de toda a verdade...
— Fale logo que droga de verdade é essa, fale antes que me deixe louca!


— Se tu soubesse da verdade Taemy, tu terias mais motivos ainda para me odiar.
— Não!!! Eu posso te odiar mais ainda por mentir!
— Está bem, mesmo que tu fique apavorada, com medo de mim não poderá fazer nada, nem falar nada para ninguém porque eu tenho a tua família comigo.
— Eu sei que estou nas tuas mãos, só não sei porque...
— Um dia eu te disse que não podia te tratar de outra forma porque seria mais perigoso para ti se eu me aproximasse, falei sobre a experiência de meu pai, tudo isso tem um sentido, um sentido amplo Taemy.
— Que experiência é essa?
— Eu sou a experiência.
Eu não estava entendendo nada, mas queria saber o que Aléc escondia.
— Meu pai nunca me quis como filho dele, na verdade eu sou só uma experiência genética que deu certo...
— Não entendi ainda...
— A muitos anos, quando aqui ainda não se faziam bebês em provetas a ACO já existia, mas em outros planetas já havia essa tecnologia e meu pai resolveu testá-la, escolheu uma das agentes e fez um pacto com um destes ETs, foi então que surgi, uma experiência científica para a época.
— Tu foi gerado em laboratórios alienígenas?
— Fui, mas quando nasci a minha mãe sumiu... creio que meu pai tenha matado ela.
— E mesmo assim tu é tão submisso?


— Meu maior segredo não é esse, eu odeio a ACO, mas quero ter o comando dela, quero tirar dele esse poder, quero vingança...
— E eu? O que eu significo nisso tudo Aléc?
— Não sei, eu te vi uma vez numa rua de uma cidade perdida por aí, estava procurando uma nova agente, resolvi então te investigar, pura coincidência. Mas quando comecei a te investigar descobri que eras inteligente e podias ser muito audaz. Era a pessoa perfeita para que a minha maior missão desse certo. A verdade Taemy é que venho te usando para vencer meu pai.
— Então acreditas que eu posso te ajudar a descobrir quem é o tal chupa cabras?
— Creio que sim, mas para isso terás que ficar nas minhas mãos, por isso tenho tua família bem na minha vista. Tua amiga foi só um truque, sei que ias precisar de alguém para mandar, tens o mesmo defeito que eu.
— E por que me maltratar?
  Porque sei que tu funciona melhor sob pressão...
— Que espécie de louco tu és?
— Da mesma que tu...e sei te fazer parar de chorar... Ele passou as mãos no meu rosto secando as lágrimas que ainda restavam, foi a primeira vez que o vi sorrir sem escárnio.
— É melhor tu ir embora, os empregados já estão estranhando a tua presença aqui todos os dias...
— E o que pensam?
— O que tu imagina?
— Com o teu gênio e o meu isso seria impossível até mesmo de fingir!


— Seria mesmo... mas vai embora e não volta aqui sem que eu te chame...
Aléc era um avanço científico... pobre coitado, eu não imaginava que sua relação com o pai pudesse ser tão complicada, mas aquilo poderia ser muito útil para mim.
Quando Paola voltou me falou que os legistas não encontraram nada no corpo, deram como causa morte rompimento das veias principais e artérias causado por ataque de animal selvagem.
— Animal uma vírgula, mas o que não é mentira é que estamos correndo perigo, já não é seguro que nós duas fiquemos aqui sozinhas... temos que pedir ao Aléc que um dos agentes venha para a fazenda.
— Ele não vai permitir isso...
— E se trouxessemos o Freire para a casa?
— Paola, isso pode ser a solução ou o nosso fim... apesar de tudo não sabemos se o Freire é ou não uma boa pessoa.
— É...isso é verdade, mas vamos falar com o Aléc, ele nos dará uma idéia.
— Hudson não poderá vir, não faz nenhum sentido, e Aléc muito menos...
— Então o que faremos? A ACO não pode simplesmente nos jogar aqui e deixar que essa criatura nos mate!
— Isso é certo, deixe estar então, vamos procurar por Aléc e ver o que ele nos sugere, mas temos que não irá adiantar muito falar com ele... ele é um cabeça dura.
Eu não andava muito certa dos nossos encontros com Aléc, principalmente depois de tudo o que ele havia me contado, mas naquele instante me ocorreu uma outra dúvida: se ele assumisse o comando da ACO o que aconteceria comigo e com a minha amiga?
Eu realmente estava precisando falar com ele e a desculpa das dúvidas da Paola seria perfeita, ainda mais se ela ligasse para ele e o chamasse.


Certamente a dona da pousada já andava desconfiada das nossas constantes necessidades de atendimento veterinário na fazenda, mas não havia outra opção, e quando as sombras da noite começaram a jogar-se sobre a nossa casa ele apareceu:
— Espero que desta vez tenha tido um bom motivo para me chamar Taemy!!!
— Não sei porque pensas que todas as vezes que és chamado é por idéia minha, desta vez foi a Paola quem quis te chamar, mesmo porque eu já disse à ela que de nada iria adiantar.
— E o que tu queres comigo Paola?
— Eu quero que tu arranje alguém para ficar aqui na casa conosco, não quero ficar aqui sozinha com essa criatura solta por aí, ainda mais agora que o seu Chico está morto.
— Não há como colocar alguém aqui, além do que, isso ia espantar a criatura, quero ela, custe o que custar. Aléc alterou a voz e aquilo soou com uma autoridade muito maior do que a de costume.
 — Aléc, uma coisa é tu querer essa criatura, sei bem o que te leva à isso, outra coisa é usar a gente como isca, não é o certo... Somente então voltei à conversa..
— O certo ou o errado somos nós que fizemos minha cara, e o que eu quero é atrair esse monstro para cá... se as duas são iscas... bem, isso eu não sei...
— Queres nos ver mortas? Com o pescoço cortado? Dilaceradas? Paola estava quase perdendo a paciência e isso era raro.
— Cale-se Paola! Não queira gritar comigo.
— Grito, grito por quantas vezes eu quiser! Tu é um lunático! Louco! O que tu quer é nos matar! Paola desta vez perdeu o controle, gritou e gesticulou.


Vi Aléc perder o controle, ergueu a mão e acertou-lhe um tapa no rosto. Paola cambaleou com o impacto, houve silêncio por alguns instantes.
— Paola, vai para o quarto, deixe que eu vou acertar as contas com esse covarde... Eu havia perdido a minha santa paciência, me maltratar já era comum para ele, mas bater em uma amiga minha era o fim da picada.
— Não tente defender a tua amiga Taemy, porque nela eu di um tapa, mas em ti eu posso fazer coisas piores.
Paola ainda estava na sala quando ele disse essa frase em tom de ameaça.
— Seu cretino! Não chega me bater? O que mais quer fazer?
— Cala a boca Paola! Vai pro quarto de uma vez como a tua amiga mandou, eu sei que no fundo isso é tudo coisa dela e é com ela que eu vou me acertar.
— Paola, vai! Eu sei bem o que fazer, pode me deixar sozinha.
Finalmente ela pareceu entender e saiu.
— Vamos lá Aléc, me fale o que tu poderias fazer comigo além de me bater? Responde!
— Tu é uma garota muito corajosa Taemy, muito mais do que deveria...
— O que tu pensa de mim não me interessa Aléc! Eu apenas estou aqui porque não tenho outra opção, por tua maldita causa. Afinal, o que vai fazer comigo se conseguir chegar ao comando da ACO?
— Me acompanha até meu carro, estou indo para a pousada. Aléc desviou o assunto.
Não sei porque, mas acabei indo até o carro com ele, quando chegamos lá comecei a interrogar novamente:
— Não me respondeu o que vai fazer comigo quando chegar ao comando.


— Tu és muito curiosa...
— Além disso, nunca mais bata em minha amiga!!! Se hoje eu não fiz nada foi porque foi a primeira vez, mas se tu tentar mais uma vez eu juro que sou capaz de atirar em ti...
— Taemy, a tua amiguinha não significa nada para a ACO, ela só está aqui para te fazer companhia... portanto ela não tem nada que reclamar.
— E eu?
— Se por acaso eu chegar ao comando eu vou achar uma utilidade para ti, talvez eu te leve comigo para ser a minha... como meu pai gosta tanto de secretárias, tu talvez seja minha secretária...
— O teu querido pai não gosta de secretárias, ela gosta de outra coisa...
Eu estava encostada no carro, mas nesse momento ele veio para perto de mim e numa fração de segundos me empurrou contra o carro e me beijou.
— Aléc! Quem te deu ordem para isso?
— Tu mesma... Falou ao soltar.
— Já não basta me atormentar de outras formas? Vai querer o que desta vez?
— Nada, só pensei que já que estamos sozinhos poderíamos nos divertir um pouco, mas se tu não quer esquece! Boa noite!
Quando cheguei em casa encontrei Paola no meu quarto.
— E então? O que houve?
— Nada, como sempre, disse para ele que se voltasse a bater em alguém eu ai ser capaz de atirar nele...
— E ele?


— Nada... não disse nada... mas Paola, vamos tentar ficar longe dele por uns dias...
— É, acho que será melhor...
No dia seguinte fomos até na praça, encontramos Hudson por lá e acabamos por dar um jeito de falar com ele, na igreja...
— Escutem uma coisa, parece que o tal monstro foi visto numa fazenda aqui perto, não sei porque mas o Aléc não quer tomar nenhuma providência.
— Aléc ontem bateu na Paola, Hudson...
— Não me diga isso! Está cada vez mais louco, tenho até medo do que possa fazer.
— Ele sempre foi assim Hudson? Minha curiosidade estava cada vez maior.
— Não, ele chegou a ser um bom colega, mas do dia para a noite começou a querer comandar, se aproximou do pai dele e parece que se contagiou com a maldade do velho.
— Paola, se tu não te importar volte para a fazenda sozinha, eu quero ir até a pousada, não me importa se ele vai ou não gostar, mas preciso dizer algo para ele...
Eu saí daquela igreja com uma idéia certa na minha cabeça, cheguei na pousada e somente dona Aurora estava lá na recepção:
— Olá dona Aurora, o Aléc está por aí?
— Está lá no quarto dele, quer falar com ele?
— Quero sim, tenho que pagar por uns serviços dele, a senhora não imagina, o tal chupa cabras atacou meu cão preferido e matou meu capataz... um senhor amável por demais... mas tenho que pagar o Aléc pelo atendimento ao meu cão.
— Quer que eu o chame?


— Se a senhora não se importar de me dizer qual o quarto dele eu vou até lá...
O que consegui foi que ela me dissesse o quarto e então fui até lá, a porta estava encostada, empurrei-a e entrei o quarto vazio, ouvi barulho de chuveiro... entrei e sentei sobre a cama, por um acaso vi uma agenda sobre o criado mudo, folhei-a e o que vi foram números de telefone, nada mais. Porém Aléc entrou no quarto nesse exato momento, enrolado numa toalha apenas.
— O que faz com a minha agenda?
Quando terminou a pergunta ele já havia arrancado a agenda das minhas mãos e atirado num canto do quarto.
— Assim como eu a encontrei outra pessoa poderia fazer o mesmo.
— Porque veio até aqui garota? Não sabe que não podemos dar pistas de que nos conhecemos?
— Eu disse que tinha vindo te pagar, além do que o povo já não acredita muito nisso, pois tu não saí lá da fazenda...
— O que tu quer? Ele havia ido dado vinte voltas no quarto nestes poucos segundos.
— Primeiro, quero que tu te vista, não gosto de conversar com alguém quase nú, além do que essa tua marca no peito me dá nojo.
Alguns segundos depois ele voltou, mas ainda estava sem camisa.
— Fale agora...
— Tu quer convencer o teu pai que tu és melhor do que ele, só isso... mas não adianta, nada do que tu fizer vai trazer à ele a figura de um pai.
— Foi para isso que tu veio?


— Não, foi para dizer que eu já sei quem passou o tal vírus para a Elluanna., ela era tua amante e o teu pai a tomou de ti. Não foi isso?
— Cale-se!
— Depois ela acabou se envolvendo com o outro agente, por isso ele morreu antes, porque teu pai contaminou ele antes e depois ela. Foi isso que te despertou o ódio por teu pai.
— De onde tu tirou isso?
— Deduzi, é o óbvil, Elluanna queria me contar algo para que me afastasse de ti, porque na verdade ela sabia que o perigo vinha de ti. Tua intenção nunca foi aproximar a Paola dele, por isso tu agiu tão rápido quando desconfiamos que ele queria ter um caso com ela. Me responde uma coisa: por que tu me colocou nisso?
— É tudo verdade, e tu não está aqui por isso, eu precisava de uma agente que fosse de confiança, por isso te treinei, para que ficasse nas minhas mãos e não me traisse como ela fez.
— Ela não te traiu como agente e sim como amante...
— Tu veio aqui só para isso? Para me lembrar dessa história?
— Foi, para te lembrar que não pode esconder as coisas de mim, eu sei como descobrir o que eu quero... e quem me garante que não foi tu que matou a Elluanna?
  Veio só me provocar? Está louca?
— Não, louco está tu que não esconde essa cicatriz horrível! Asquerosa!
— Minha cicatriz é asquerosa? E que me diz disso? Ele chegou perto de mim e puxou a minha saia até onde podia ver a minha marca.
— Minha marca é uma lembrança, lembrança de que eu preciso te odiar.


— É uma bela lembrança... Ele sorriu, ainda estava próximo, havia sentado na minha frente na cama.
Sorri friamente, uma idéia me passou pela mente, talvez ele não esperasse, levei minhas mãos até o peito dele e num repente corri minhas unhas fortemente sobre a cicatriz, tirando sangue.
— Cadela! 
— Tu me marcou Aléc, eu quis te deixar uma marca também...
Não sei a minha coragem naquela hora, mas continuei sentada olhando para ele, sabia que sua pior reação seria me bater e isso ele mesmo já tinha dito que não faria, muito pelo contrário, segurou meu rosto e me beijou. Desta vez o beijo dele não era tão ao acaso como havia sido na noite anterior, tinha algo mais, um toque de brutalidade, empurrei-o e fiquei de pé, mas não muito longe dele:
— Aléc, a porta do quarto está aberta, eu posso gritar e a dona Aurora vai logo subir para ver o que está acontecendo.
— Não finge, eu sei que tu veio aqui atrás disso, gostou do beijo que te di ontem a noite.
— O que é um beijo? De tudo tu já me fez, me obrigou a ficar nessa organização, me marcou com ferro quente... o que é um beijo?
— Taemy, eu não sei, mas acredito que tu podes ser muito pior do que eu imaginava.
— Eu vou embora, só queria que tu soubesse que a tua histórinha com teu pai não é segredo para mim. Cuidado Aléc, eu não sou tão inoscente com tu pensas, não quando tentam me enganar.


Eu ia sair naquele instante, estava na porta do quarto quando ele me chamou:
— Onde está o teu carro?
— Vou de pé, deixei o carro com a Paola e ela voltou para a fazenda.
— Cuidado com o que pode te encontrar no caminho... Ao falar isso ele se aproximou e novamente me beijou.
Saí disposta a caminhar até a fazenda, eram dez quilometros, nada para quem gostava de andar sem rumo.
Minha cabeça dava mil voltas, eu não havia percebido o ninho de serpentes em que eu estava metida, em pouco tempo eu havia perdido a minha identidade, porque mesmo que continuasse com o mesmo nome não era a mesma garota de poucos dias atrás, estava começando a me envolver sériamente com a ACO e não sabia até onde poderia ir com minhas idéias, naquele momento o que me interessava era um meio de fugir, mesmo que para isso eu tivesse de agir dissimuladamente, mesmo que para isso eu tivesse de usar os meios mais baixos, mas havia algo me preocupando além disso, algo que minha mente rebuscada de idéias controversas não conseguia explicar: o modo como Aléc vinha se comportando comigo nos últimos dias, eu não conseguia explicar as loucuras que ele estava falando, o modo como estava me tratando, quando era violento e me maltratava eu sentia vontade de matá-lo com minhas próprias mãos, mas por vezes falava loucuras, tinha seus motivos para agir de forma estranha... mas quando me beijava eu não sabia entender o que havia com ele, ao mesmo tempo que era um homem odioso era também sedutor... e isso para mim representava duas faces de uma mesma moeda: ou eu tirava proveito disto ou acabaria me dando mal por isto...


Estava tão distraida com meus pensamentos que quase não percebi quando um carro parou ao meu lado, era ele, havia me seguido:
— Entra logo antes que eu mude de idéia.
— Eu disse que queria caminhar.
— Não me interessa, eu quero te dar uma carona.
Embarquei, sabia que não ia adiantar nada ficar teimando com ele, logo que pôs o carro em movimento resolvi destilar mais um pouco de veneno:
— Tu me mandou cuidar com quem encontrasse no caminho e eu te encontrei...
— Quem sabe eu não posso ser perigoso?
— Não para mim. Eu te conheço Aléc, sei muito bem como descobrir teus pontos fracos.
— Eu vim até aqui só para te dizer uma coisa Taemy: não te arrisca a me trair, eu posso estar sendo bastante tolerante contigo e com a tua amiguinha, mas não vou aceitar que tu me traia...
— Tolerante? Tu bateu na Paola Aléc!
— Bati sim! Ela não deveria ter gritado comigo, mas dela eu não temo nenhuma traição, sei que o único perigo aqui é tu e por isso minha cara eu vim te dar esse aviso: nunca te arrisca a me trair, porque daí eu vou ter que te mostrar quem eu sou de verdade.
— E quem tu és Aléc?
— Tu não te intimida... mas não te preocupa, eu ainda vou te ensinar a me respeitar como tu deves respeitar: tu és minha... e me deve obediência!


— Pára de me tratar como tua propriedade Aléc! Eu estou nessa maldita ACO, mas não sou tua coisa nenhuma, posso ter de agir como vocês, para vocês, mas não sou tua e tu não manda em mim.
— Mando sim, e posso te provar isso...
— Pára esse carro, quero descer!
Ele parou o carro e eu não pensei duas vezes antes de saltar, mas não imaginei que ele fosse saltar também, estavamos próximos da fazenda, comecei a caminhar quando ouvi ele me chamar:
— Eu ainda não terminei...
Voltei-me para responder, ele estava empunhando uma arma, parei e deixei que ele se aproximasse:
— Taemy, as vezes penso que tu és louca!
— Atira logo e acaba com isso, eu estou cansada, cansada de tudo, cansada de ti. Não suporto mais te ver, não suporto mais ouvir a tua voz... me deixa em paz Aléc! Por favor, some, se eu tiver algo de importante para te falar sobre a missão eu mando a Paola te procurar, mas não quero mais saber de ti. Entende de uma vez por todas que a tua presença me inoja!
Ele colocou o revólver na minha cintura, estava próximo, sorria friamente:
— Eu comando e tu obedece, vou te procurar quantas vezes eu quiser.
— Vou procurar teu pai e falar sobre a forma com que estás nos tratando, tenho certeza que ele não irá aprovar a tua brutalidade. Além do que, ele é o chefe e não tu!
— Eu nunca ameacei um agente de morte Taemy, mas se tu te aproximar do meu pai eu acabo contigo.


— Próprio de um covarde, estás com a arma encostada em mim, atira de uma vez.
— Não me provoca tanto, posso perder a minha paciência contigo, não me custa te matar e dizer que foi traição tua, afinal: quem ia acreditar em uma guria com o teu comportamento explosivo?
— Os mesmo que iam acreditar num ditador do teu porte.
  Vai para casa, estou perdendo a paciência e não quero acabar com isso agora!
Não acreditava que ele fosse capaz de me matar, por isso o desafiava, mas quando cheguei na fazenda encontrei mais um problema: com a morte de seu Chico a fazenda havia ficado sem capataz, era preciso nomear um e rápido. Mas que? Os empregados não queriam assumir essa responsabilidade, restou-me então procurar por Freire, mas não o fiz, pedi que Paola o fizesse, dei carta branca para que ela procurasse Freire e lhe desse ordens de que assumisse o cargo até que outro se dispusesse.
Paola me contou que Freire relutou por algum tempo, não queria ter essa responsabilidade, mas acabou por aceitar depois dela insistir por muito tempo.
Quando anoiteceu ouvi de Paola uma sugestão que me agradaria um bocado: fazermos um baile na nossa fazenda, fiquei de pensar sériamente na proposta e no dia seguinte chamei Alice até à fazenda, queria ouvir uma opinião sobre quem poderia tocar.
Tudo resolvido decidimos fazer a festa naquele mesmo fim de semana, deixei que Alice convidasse as pessoas de seu interesse, no mais convidamos as famílias que trabalhavam na fazenda, Hudson e Aléc, afinal era preciso deixá-los ver o movimento da fazenda.


Deixamos que o fim de semana chegasse tranquilo, o movimento da festa nos fez esquecer um pouco do inferno que era a ACO.
Felizmente a festa aconteceu numa paz suprema, não houve brigas, nada que pudesse estragar a noite.
Mas demos graças a Deus quando as duas da manhã todos foram embora e pudemos ir para a casa, o que restava era um bom banho e dormir, dormir profundamente.
Paola havia ficado meio medrosa, mesmo eu estando louca de sono acabei tendo de ficar acordada, esperando que ela tomasse banho para finalmente podermos dormir, esperei pacientemente por ela na sala até quando calculei que ela estivesse quase terminando, então resolvi ir até a varanda, queria observar mais uma vez o céu antes de me deitar. Debrucei-me sobre a cerca da varanda e fiquei olhando as estrelas, faziam dias que eu não havia mais visto nada de estranho no céu, além disso, depois da morte de seu Chico a lenda do chupa cabras parecia ter diminuido de intensidade... mas mesmo assim eu ainda temia pelo pior. Olhei para longe, no meio de uma pequena mata vi o clarão, era a cabana onde Freire morava, ele não havia aceitado morar na casa que fora de seu Chico, a família deste havia ido embora depois da morte, não quis esperar por uma resposta.
A noite estava abafada, nenhum vento movimentava as folhas das árvores e estas pareciam dormir.
Mas eu havia de levar um enorme susto... senti quando alguém me abraçou pela cintura e me puxou, quando dei por mim estava encostada à parede e Aléc me segurava contra ela:
— Aléc? O que faz aqui ainda?
— Mandei Hudson levar o carro...


Ele continuava me prensando contra a parede com o próprio corpo e havia começado a beijar meu pescoço, eu não queria falar alto e assustar Paola, mas estava começando a me irritar com aquilo:
— Aléc, tu estás bêbado, não vê que isso vai acabar em confusão? Me solta!
— Eu estou completamente bêbado e isso é muito bom, porque amanhã vou poder dizer que não sei o que fiz, que o fiz por causa da bebida.
Por mais que eu o empurasse ele continuava me beijando enquanto falava loucuras sem o mínimo sentido como se estivesse sussurando:
— Taemy, tu eu tenho certeza que o velho não vai me tirar, porque se tu me trair eu te mato...
— Aléc... pare logo com isso! Tu estás completamente bêbado e não sabe o que está falando.
— Não? Sim? Quem sabe? Mas me deixa ficar contigo essa noite... eu estou tão só...
— Aí Aléc! Tu só faz me colocar em apuros! O que vou fazer contigo? Bêbado do jeito que tu estás não vou poder te mandar para casa, mesmo porque tu mandou teu carro... Me diz o que eu faço contigo agora seu idiota?
— Me deixa ficar aqui...
Ouvi os passos de Paola na sala, ele ainda me segurava e continuava a me beijar o rosto e o pescoço como se me acariciasse:
— É a Paola! Pare com isso antes que ela nos veja aqui! Me solta e te comporta!
  E eu preocupado com o que a tua amiguinha vai ver? Ela não vai poder contar nada para ninguém...


Desta vez ele me beijou como das outras vezes, por mais que eu tentasse me soltar não conseguia, por fim parei de lutar e lhe retribui o beijo, tempo de Paola entrar na varanda e nos flagrar:
— Taemy!!!
Finalmente ele me soltou e eu pude sair de perto dele, Paola estava próxima à porta da casa e fui para perto dela:
— Paola, ele está completamente bêbado, e o pior é que mandou o carro pelo Hudson, temos que dar um jeito de alojar ele esta noite.
— Tu é maluca?
— Paola! Ele é um caco, mas não podemos mandá-lo embora neste estado! Afinal ia ser complicado explicar para o Alexander o que houve...
— As duas estão discutindo o que vão fazer comigo? Eu sei... posso dormir com uma das duas... Ele estava rindo, rindo de um jeito que eu nunca havia visto, a bebida devia ter despertado nele o antigo Aléc de que Hudson falou, ao terminar a frase ele se aproximou de mim e me abraçou.
— Vamos colocar o senhor lá no quarto de visitas e é bom que fique lá até curar esse porre... Eu já estava começando a achar graça dele, estava ridículo.
Eram três da manhã quando finalmente eu e Paola tivemos certeza de que ele estava dormindo, fui até a porta do quarto verificar, Paola me esperava na sala:
— Ele está passando da conta.
— Paola, no fundo eu acabo tendo dó desse maluco, só tem feito viver para se vingar do pai...
— O que tu quer dizer com isso?
— Nada!!! Mas ele tem que deixar de ser desnorteado dessa forma...


— Nada nele presta...é um vagabundo de conta. Por causa dele é que estamos aqui, metidas nessa confusão. Pago para quem me disser uma coisa de bom nesse homem...
— Ele beija bem... Eu acabei falando sem nem pensar, mas quando me liguei a frase já havia saído.
— O que tu disse?
— Acho que falei besteira!
— É... eu tenho certeza...
— Mas não estou mentindo: é a única coisa de bom nele.
— Tu andas me escondendo algo?
— Não...
— Tem certeza que não tem nada a ver com o Aléc sem ser a ACO?
— Tenho, ele me beijou umas vezes, mas nada de mais.
Tudo de mais... eu já estava perdendo o controle da situação e era isso que eu não poderia deixar acontecer.


Tinha de conseguir um meio para sair da ACO e de preferência com vida, mas nada me vinha em mente naquela noite, não conseguia consiliar o sono e também não conseguia ter nenhuma idéia, e quem me conheceu sabe que isso para mim era o pior tipo de tortura que podiam me impor, mas num repente a minha mente teve um lapso repentino de idéias; eu não havia percebido, mas era certo que a ACO não queria envolvimento entre os agentes, caso contrário o romance de Aléc com Elluanna não teria resultado em tal confusão e com um final tão triste, se era proibido relacionar-se além das missões eu poderia tirar proveito das loucuras de Aléc, mas ainda me restava saber com... não demorou muito para que outra idéia viesse na minha mente que agora sim, havia acordado, eu teria de usar Aléc contra ele mesmo, teria de fazê-lo cometer um grave erro diante da ACO para então chantageá-lo, e o erro seria justamente ter me trazido para a organização... era exatamente o que eu precisava: ter Aléc nas minhas mãos e quanto à missão, bem, eu iria cumpri-la, era uma questão de honra, afinal um empregado de minha fazenda tinha sido morto de forma cruel e isso eu não poderia deixar passar em branco e foi justamente essa idéia que me fez adormecer tranqüilamente.
Já passava longe das oito horas quando me levantei, estava ainda com um pouco de sono, mas precisava pensar melhor nos meus planos e para isso precisava estar bem acordada, fui para a cozinha, depois do café eu pretendia cavalgar pela fazenda para que meus pensamentos pudessem fluir livres, sem me preocupar com nada nem ninguém.
Mal entrei na cozinha Aléc apareceu, estava com uma cara terrível, provavélmente uma ressaca das melhores:
— Bom dia Aléc! Espero que tenha dormido bem!
— Não brinca! Minha cabeça está explodindo... afinal das contas: o que eu estou fazendo aqui?
— Eu é que te pergunto isso. Não lembra de nada?
— Lembro... eu fiquei aqui depois da festa e mandei o Hudson levar o carro.
— Porque tu ficou? Estás louco ou o que? Ontem eu não pude te dizer tudo o que queria, mas agora já estás sóbrio... Aléc, tu quer nos matar por acaso? Não basta te matar, não basta me matar aos poucos com a tua ruindade? Queres matar os dois?
— O que tu tá falando garota maluca?
— Se o teu querido pai descobre do teu atrevimento ficando aqui ontem ele não vai gostar nada disso...


— E quem vai contar para ele? Aléc estava um caco, havia sentado e segurava a cabeça.
— Vou fazer um café... quem sabe cure um pouco essa tua ressaca.
— O que aconteceu ontem a noite?
— Tu me disse que poderias agir como quisesse, pois estava bêbado e ia poder dizer que não lembrava de nada... pelo jeito funcionou!
— O que eu fiz?
— Papel de bobo!
— Não me provoca! Eu estou com a cabeça explodindo, mas não me custa nada te levar até na base e te treinar outra vez e desta vez com meus próprios meios...
— Aléc, deixe as tuas ameaças para outra hora, nem teu carro não está aqui. Aliás, como tu pretende voltar para a pousada?
— Tu vai me levar...
— E tu pretende chegar lá comigo depois de ter sumido uma noite inteira? Não mesmo, não quero que a dona Aurora pense besteira...
— E vai me mandar embora de pé?
— O telefone está lá na sala, ligue para o Hudson e peça que ele venha te buscar.
— Taemy, eu vou te dizer uma coisa e quero que tu grave bem: tu não vai sair dessa missão sem que eu te ensine a ter um comportamento bem diferente deste teu. E tu ainda não me disse o que eu fiz ontem a noite.
— Se tu quer saber, isso é, se tu não lembra mesmo o que eu duvido muito...
— Fale logo!


— Tu me agarrou e falou um monte de asneiras, mas o pior disso tudo é que a Paola acabou vendo a cena.
— Droga!!! Tenho que falar com a tua colega... Onde ela está?
— Deve estar vindo por aí, mas não vá ser grosso com ela, porque o único culpado aqui é tu.
Mal acabei de falar e Paola entrou na cozinha, estava meio desconfiada, não sei se pela cena que havia visto ou pela besteira que eu havia falado na noite anterior:
— Paola, temos que falar contigo! Aléc atropelou Paola com a fala.
— Sobre o que? Paola não sabia nem como reagir.
 — Vou direto ao assunto, se por um acaso tu abrir a boca para falar à alguém o que tu viu ontem a noite eu te juro: será a última vez que tu vai abrir a boca. Entendeu Paola?
— Aléc, não faça ameaças para ela! Eu te aviso uma coisa: se tu fizer qualquer coisa com a minha amiga eu vou te ferrar diante do teu pai.
— Taemy, não pense que podes me ameaçar, além do que, o que tu podes fazer contra mim?
— Chega Aléc!!! Tu não manda em nós. O que tu pensas da tua vida?
  Eu penso que as duas não são nada, se Paola abrir a boca eu mato ela!!! Simples não é?
— E eu Aléc, se eu abrir a minha boca o que tu faz?

Nenhum comentário:

Postar um comentário