sexta-feira, 29 de abril de 2011

 Precisava encontrar ele, por isso fui para a tal cachoeira.
 Era um lugar ermo, uma picada de uns cinquenta centímetros de largura levava até o rio, de umas altura de uns dez metros três riachos despencavam violentamente até formarem um só. Aléc estava lá, sentado sobre uma pedra na margem, observava a queda.
 — Aléc, ainda bem que te encontrei...
 — Taemy, o que tu faz aqui? Como me encontrou?
 — Estive na pousada, mas não é hora para esse tipo de pergunta, o Alexander esteve na fazenda hoje cedo.
 — Alexander? Na fazenda?
 — Isso, me disse que descobriu que alguém acessou o computador central do laboratório ontem, eu não tive jeito, disse que fui eu para ver se havia registro de alguma criatura semelhante à que nós estamos investigando.
 — O que mais ele falou?
 — Aléc, ontem eu vi o que tu descobriu, Freire é teu irmão, ao menos meio irmão.
 — Tu estás me espionando? A voz dele se alterou, pareceu zangar-se.
 — Estou, mas se tu queres saber de mais uma bomba sobre a tua vida é bom não zangar-se comigo...
 — E o que mais pode haver de estranho na minha vida? Eu nem sei o que sou...


 — Tu não és filho do Alexander.
 — Não?!!!
 — Não, teu pai é um agente da ACO, mas deve estar morto, afinal o Alexander queria que ninguém soubesse da experiência genética perfeita, queria que fosse só dele.
 — Eu vou matar aquele desgraçado...
 — Aléc, ele me fez ameaças se eu continuar me encontrando contigo.
 — Que tipo de ameaças?
 — Ele me disse que não sabe onde tu escondeu a minha família, mas que vai descobrir e acabar com todos, Aléc, eu estou horrorizada com o que ele disse.
 — E o que mais disse sobre a experiência?
 — Aléc, ele me disse que tu não és humano.
 — E agora? Tens medo de mim?
 — Naquele dia lá no laboratório a Elluanna disse que finalmente tu tinhas encontrado alguém que não tinha medo de ti... eu não tenho medo...
 — Eu não quero que tu fales mais no nome daquela vadia! Ele ergueu-se e veio contra mim.
 — Mas tu amavas ela!!!
 — Taemy, eu amava, não amo mais...
 — O que tu pretende fazer?
 — Nada!!!
 — E a ACO?
 — Não sei, não sei de mais nada...
 — Mas os teus planos?


 — Não tenho mais motivos para realizar nenhum deles, eu nem tenho mais motivos para viver.
 — Mas tu irás deixar a ACO agindo livremente?
 — E por que não Taemy? Eu não tenho mais nada para perder.
 — E quanto aos outros agentes? Tu não te importas mais com nenhum deles?
 — E com qual deles eu haveria de me importar?
 — Não sei... não sei...
 — Olha para essa queda, como a água se joga lá de cima... Ele me virou para a cachoeira, estava atrás de mim e me segurava pela cintura, estava próximo, podia sentir sua respiração.
 — O que tem a cachoeira?
 — Os riachos se unem, mas é a violência da queda deles que molda a paisagem bonita que tu vês.
 — Não estou te entendendo!
 — Eu te trouxe para a ACO para ficar perto de mim, queria alguém de confiança, alguém que não fosse me trair, que não me deixasse sozinho quando eu precisasse de ajuda nos meus propósitos.
 — Nunca traí esses propósitos!
 — Eu sei... Ao falar isso ele me virou para ele, mas continuou me segurando.
 — Aléc, o que tu quer me dizer?


 — Assim como essa água molda as pedras eu quis te moldar, havia perdido a Elluanna de uma forma tão vil, estava cansado de tudo, eu queria que tu fosse uma criação minha, queria te usar.
 — Aléc...
 — Espera, deixa eu terminar: mas tu não foi assim, tu não se moldou nos meus planos, mas acabou fazendo tudo do teu jeito... Taemy, eu não sou o rio e tu não és uma dessas pedras... vou dar um jeito de mandar tua família para longe do Alexander e te mando para junto deles.
 — Não quero...
 — Me deixa sozinho! Ele me empurrou.
 — Aléc, eu não posso sair disso agora, o Alexander vai me seguir por todo lugar, minha vida não vai mais ser como antes.
 — E o que tu queres? Passar toda a tua vida seguindo um monstro genéticamente transformado?
 — Mas tu não és um monstro, além do que não vou te seguir, quero somente sair disso e ter a paz que eu tinha antes.
 — Essa paz eu te roubei Taemy, entenda de uma vez por todas que não podes mais apagar o que viveu na ACO de tua vida, o máximo que podes fazer é aceitar o que eu te ofereço e sumir no mundo.
 — Quando tu me marcou me disse que era para que eu não me esquecesse da ACO nenhum dia, isso é verdade Aléc, não posso me esquecer disso e não posso simplesmente virar as costas e viver uma nova vida, mesmo que tu sejas uma mutação genética.


 — Te afasta de mim enquanto é tempo! Não entendes? O Alexander vai te machucar e eu não quero isso, ele usou a Elluanna em uma experiência que causou a morte dele, matou a minha  mãe, todas as mulheres na ACO terminam mal...
 — Eu não sou nenhuma delas! E o que ele poderia fazer comigo?
 — Por favor... — ele aproximou-se e segurou meu rosto — não quero te machucar...
 — E o que tu podes fazer para me machucar Aléc?
 — Eu não sei Taemy, se eu soubesse quem eu era não teria feito amor contigo...
 — Tu mudou tanto...
 — Eu sou uma anomalia, quem me garante que não possua nenhum vírus mutante?
 Aléc estava estranho, novamente saiu e sentou-se na mesma pedra em que estava quando eu cheguei,  eu já não sabia o que fazer para convencê-lo a lutar, a guerra contra Alexander não poderia terminar por ali e o fato dele ser genéticamente diferente não era nada para mim, fui até ele e sentei ao seu lado:
 — Aléc, eu talvez não tenha sido o tipo de agente que tu quis, mas por favor, volta a ser o mesmo...
 — Eu te marquei a ferro e fogo, te tratei mal, te usei e ainda tentas me pedir para voltar? Queres que eu repita tudo isso? Masoquismo por acaso?


 — Te consideras um sadista? Aléc eu não quero que me marques ou nada disso, mas quero a tua coragem. Tu és um meio alienígena... ótimo! Isso ao menos te faz ver a ACO com outros olhos, com os olhos das vítimas, as vítimas que um dia no laboratório eu te perguntei porque eram mortas e tu me disse que simplesmente por serem alienígenas... Aléc, as coisas mudaram para ti e isso deveria te dar mais coragem de lutar contra o Alexander. Além disso um dia eu te disse que não poderias matar o Alexander por ele ser teu pai... mate-o agora!
 — Matar? Tu não és a mesma garota que eu catei na rua pensando ser uma mulher normal! Não! Ela não mandaria eu matar dessa forma fria!
 Nem eu acreditava no que havia dito, mas não voltaria atrás.
 — Mate-o ou eu o mato, porque não vou deixar que ele me mate ou a minha família.
 — Começo a me imprecionar contigo!
 — E podes te imprecionar mais ainda, basta querer...
 — Tens coragem de ficar comigo sabendo quem eu sou?
 — E por que não? Afinal agora é tarde para voltar atrás.
 — Taemy, eu começo a acreditar que o que eu queria deu certo, tu não és a mesma, estás tão dura quanto eu e ages como eu queria que tu agisse... acredito que tenho finalmente a agente que eu queria para ser minha colega na ACO.
 — E que tipo de agente era esse?
 — Mulher, inconsequente, louca e muito, muito audaz, além de ser uma amante quando eu quisesse.
 — Não... não sou tua amante!
 — Não, és mais do que isso, uma ótima amante...
 Novamente ele me beijou e novamente ficamos juntos, nos amando se é que essa é a palavra adequada naquele momento, mas o que importa é que estavamos juntos em tudo aquilo e não teríamos de viver sozinhos os piores momentos de nossas vidas.


 Voltei para casa quando a tarde já estava pela metade, Freire me esperava na sala, parecia saber de algo.
 — Taemy, vim me despedir...
 — Despedir?
 — Sim, tenho de partir, não posso ficar aqui quando todos já sabem de minha história e me olham com espanto...
 — Não, não podes ir agora, precisamos de ti Freire, eu, Paola e mesmo o Aléc...
 — Aléc é meu irmão Taemy...
 — Eu sei, ele me disse tudo... além disso ele não é filho do Alexander. Freire, por favor, não vá, eu preciso de ti e a Paola ainda mais.
 — Não pertenço à este planeta, não posso ficar com ela...
 — Isso não importa, de onde tu vens ou para onde vai...
 — Não, não é justo com Paola, ela merece alguém que ao menos não precise ficar preocupado com o que vai resultar da combinação genética dos dois, ou se algum vírus mutante pode afetar o outro.
 — Aléc é o resultado dessa combinação, é perfeito! E vírus... creio que não hajam vírus em vocês que possam nos contaminar e se houverem podemos resolver isso.
 — Aléc é outro caso, ele é meu meio irmão, mas ainda não sei se é confiável, além disso ele não seria louco de estar se relacionando com um terráquea sem ter nenhum cuidado.
 — Aléc não sabia da origem dele até ontem.
 — Taemy, eu sei que tu estás apaixonada pelo Aléc, eu vim para essa fazenda porque sabia da ligação de vocês, mas creio que não seja certa.


 — Nada em nós é certo Freire, mas não te preocupa com o Aléc ou comigo, somos ruins o suficiente para sobreviver. Não quero que tu te vá agora, terás de esperar.
 — Está bem Taemy, eu irei esperar por um desfexo neste caso e então irei.
 Eu sabia que Paola estava gostando de Freire, impedir ele de partir era quase que uma necessidade para mim, mas ainda me restava contar para ela sobre a origem de Freire. Eu imaginava qual seria a reação dela, mas não poderia esconder isso da minha amiga, não seria certo.
 Paola estava na sala de computação, estava aprendendo os mistérios do bicho computador:
 — Paola, preciso falar contigo!
 — Pois fale Taemy!
 — Freire não é simplesmente um estranho com poderes estranhos.
 — E o que ele é?
 — Freire é um alienígena!
 — Eu suspeitei...
 — Mas tem algo mais, ele é irmão do Aléc, os dois não são terráqueos.
 — O que?!!!
 — Freire veio me procurar para avisar que estava indo embora, insisti que ficasse e ele alegou que não pode ficar aqui e manter um relacionamento com uma terráquea.
 — Ele vai embora?
 — Não, vai esperar para que se resolva o caso do tal monstro.
 — E o Aléc?
 — Não sei Paola! Mas vou te falar uma coisa bem séria, se tu queres o Freire de verdade lute por ele.


 — E tu, o que vai fazer pelo Aléc?
 — Nosso caso é diferente Paola...
 — Não sei qual a diferença!
 — Tu e o Freire gostam um do outro, mas eu e o Aléc não nos amamos, o que há entre nós é diferente, é só uma atração.
 — Isso não é coisa tua...
 — Não era, mas as coisas estão mudando para mim Paola, eu não posso continuar sendo aquela garota apaixonada e viver presa à um amor impossível, Aléc é diferente, não o amo e ao mesmo tempo nos relacionamos bem.
 — Mas ele te agredia...
 — Não mais, ele era tão louco quanto eu.
 — Se é isso que tu quer...
 — E quem de nós sabe o que quer Paola? Eu não sei, não sei até onde posso ir com essa história toda, não sei até onde tu vai agora que sabe a verdade sobre o Freire... mas sei que iremos até onde nossa coragem permitir... ninguém é covarde, possui mais ou menos coragem.
 — É uma loucura isso que estamos vivendo Taemy, mas eu vou até onde for possível pelo Freire. Pela primeira vez na minha vida eu creio que posso lutar pelo homem que eu amo.
 — Paola, nós duas estamos vivendo o avesso de nossas vidas, mas não será possível que no fim não tenhamos uma recompensa por ter jogado tudo pro ar dessa forma.
 — Acredito que sim amiga...


 Paola estava ciente de tudo o que estavamos vivendo, já não era a agente que Aléc havia previsto, estava aprendendo a reagir ao mundo e isso era muito mais importante para nós do que o final desta nossa história.
 Um dia eu aprenderia que nada na vida é por acaso, a gente recebe o que pode suportar, nunca mais do que isso, os erros e acertos não são estáticos, vem e vão e nós ficamos, eu aprenderia que não podemos parar mesmo diante de uma vitória: há um caminho pela frente que só finda com a morte, ou que talvez só faça uma curva...
 Eu sentia que tudo aquilo estava para terminar, mas antes precisaria ter uma grande reviravolta.
 Noites e dias passaram calados, eu e Paola isoladas naquela fazenda somente contando com a presença de Freire que cada dia mais estava próximo de nós, Hudson estava completamente desligado da missão, havia se encantado com Alice e passava os dias lá na fazenda do pai dela, talvez Alexander não pudesse fazer nada para evitar que um agente se apaixonasse por alguém comum ou nem soubesse, o que eu acho bem mais provável, Aléc estava tão ocupado tentando descobrir uma maneira de aprisionar o chupa cabras que nem ao menos nos ligava, além disso sabiamos que naquele momento era melhor manter as atenções de Alexander bem longe de nós.
 Porém uma bela noite ouvimos um latido estranho vindo dos lados da casa que havia sido de seu Chico, corremos até lá, eu, Paola e Freire, não sei porque, mas não me surpreendi ao ver o estranho animal acuado pelo meu lindo Hércules e os outros três cães policiais. Finalmente estavamos com o chupa cabras em nossas mãos, restava capturá-lo.
 — Vamos matar essa criatura de uma vez... Paola queria ver o fim de tudo aquilo, mas não era isso que eu queria.


 — Não, vamos colocá-lo dentro de uma jaula, Freire, corre até a cocheira, lá tem uma jaula de ferro colocada sobre uma aranha, pegue o Pégasus e o Valente e traga a jaula aqui, ficaremos vigiando e os cães não deixarão que ele fuja, se fugir, aí sim atiramos.
 — Está bem Taemy, é loucura mas eu vou...
 Freire foi muito rápido, os cães não haviam deixado o monstro fugir e conseguimos enjaulá-lo.
 — Veja só, a fera parece estar parada, não reage, tem os olhos parados como se estivesse triste. Paola percebia o que a minha distração ou euforia não percebia.
 — Vamos manter ele no paiol, as grades são fortes e devem resistir.
 — Não sei se isso é o certo Taemy...
 — Freire, eu sei...
 Teimosa eu sempre havia sido, mas não tanto com era naquela época, porém restava-me comunicar à Aléc o que havia acontecido na fazenda, liguei para a pousada e Aurora me informou que ele havia saído assim que o sol se pôs e até então não havia retornado.
 — Paola, o Freire ficou lá fora vigiando o paiol?
 — Ficou e o Aléc?
 — Sumiu desde o pôr do sol, começo a ficar com medo...
 — Onde ele pode ter ido?
 — Ele não costuma sumir dessa forma, além disso são quase duas da manhã.
 — O que vai fazer?
 — Nada...


 Não sei porque mas naquele momento uma vaga idéia passou por minha mente, uma idéia que me faria sentir que tudo ainda podia acontecer, de repente um estalo veio em minha mente, um estalo que me fez arrancar Paola, que já dormia, da cama e voltar ao paiol para ver a criatura. Paramos na porta do paiol e Paola ainda protestava:
 — Mas o que tu queres ver nesse monstro?
 — Paola, vá com Freire para a casa, eu cuido disso pelo resto da noite.
 — Isso é loucura!
 — Paola, faça o que eu mando!
 — Freire, tu não diz nada, essa maluca está querendo passar a noite aqui com o monstro!
 — Paola, eu não posso dizer mais do que tu já disse, se ele quer arriscar, deixe ela.
 Freire parecia saber de algo, mas não era a hora de falar nada, esperei que eles saíssem e fui até a jaula, não sem antes trancar o paiol por dentro.
 A criatura que estava ali não era a mesma que eu havia visto nas outras vezes, Paola tinha razão quanto aos olhos dela, não eram os olhos que eu vi atacando Pégasus e nem o animal que atacou Hércules, era outra criatura, além disso era maior, e de lobo só tinha os pêlos que cobriam todo corpo e alguns outros detalhes, mas postava-se de pé.
 Aproximei-me da jaula, estava prestes a fazer algo que iria decidir a minha vida:
 — O que está me escondendo?
 A criatura continuou imóvel, estava me ignorando.
 — Não precisa mentir para mim Aléc... eu posso te reconhecer mesmo sob esses pêlos, por que mentiu para mim?
 Desta vez a criatura voltou-se, segurou as grades com força e as sacudiu, rosnou e me encarou.


 — De que pensa que vou ter medo: de tua força ou teus uivos? Aléc, tu me conhece...
 — Não tem limites Taemy? Não vê o que sou? A voz era estranha, animal.
 — Meus limites estão na falta dos teus Aléc, eu devia ter imaginado que isso era mais um detalhe da tua vida.
 — Eu sou um monstro! Satisfeita?
 — Mas não é o monstro que eu procuro, não é o chupa cabras.
 — Não, e sabe por que não sou Taemy?
 — Me responde.
 — Entra aqui na jaula, me mostra que tens coragem...
 — Tu não sabes do que eu sou capaz Aléc, não é essa tua aparência desfigurada que vai me pôr medo.
 — Entra então!!!
 Eu não pensei duas vezes, talvez nem uma, abri a jaula e me coloquei lá dentro, mas antes tranquei-a e atirei as chaves longe.
 — Isso sim é prova de loucura, agora não podes mais fugir de mim! Aléc ainda sob a forma daquele monstro me segurou os pulsos prendendo-os contra as grades.
 — Mas tu também não, não sou louca, quem me garante que não ias me matar e fugir?
 — Ainda posso te matar...
 — Eu sei...


 — Olha o monstro que eu sou, meu corpo coberto de pêlos, meus dentes, meus olhos, a minha força é dez vezes maior do que a de um homem comum, posso te matar com tanta facilidade e tu ainda assim fica parada me olhando como se eu ainda fosse o mesmo Aléc que esteve contigo na cachoeira a alguns dias.
 — Mas tu és o mesmo Aléc, e se quiser me matar só vai estar fazendo um grande favor para mim, porque estou fadada a morte mesmo.
 — O que?!!!
 — Há um círculo vermelho metálico se formando no meu abdômen, o que quer dizer que alguém me contaminou com o mesmo vírus que matou Elluanna.
 A reação dele foi a mais esperada por mim naquele momento, largou meus pulsos e violentamente rasgou a minha blusa:
 — E agora Aléc? O que vai me dizer?
 — Que eu posso te curar, basta  eu injetar em ti uma quantia de meu sangue, ele é imune à este vírus.
 — Se tu sabias a cura por que não ajudou Elluanna?
 — Porque não me interessava...
 — E eu? Por acaso te interesso?
 — Se eu te injetar esse sangue tu também vai sofrer alguma mutação genética e vai ser igual à mim...
 — E o que tu és?
 — Me transformo nisso quando quero e pretendia caçar o chupa cabras...
 — E o que é o chupa cabras?
 — Um monstro criado nos laboratórios da ACO por Alexander, e agora estás satisfeita?
 — É... faz sentido...
 — E como vai sair daqui?


 — Não vou... vamos ficar aqui até alguém, nos soltar.
 — Brilhante! E como vai explicar? Vai dizer que eu era o monstro e que tu resolveu passar a noite comigo dentro da jaula, sim, porque isso que tu estás vendo só vai terminar quando o dia amanhecer.
 — Vou dizer que o monstro nos prendeu aqui dentro, que eu te chamei aqui e acabamos capturados pelo monstro.
 — Boa idéia! Mas mesmo assim irás ficar aqui comigo... ele se aproximou novamente de mim, afastou meus cabelos do pescoço e roçando de leve a minha pele começou a falar no meu ouvido:
 — Imagina se um dos teus amigos entra aqui agora...
 — Não imagino nada, me solta!
 — O que meu irmão ia pensar? Tu aqui, dentro da jaula comigo assim transformado, e se me pegassem te beijando como a tua amiga nos pegou naquela noite? Ou quem sabe fazendo amor contigo?
 Um verdadeiro pavor me atacou naquele momento, empurrei-o:
 — Nem pense nisso!
 — Tens medo de mim então?
 — Não é medo! Mas não faria amor com alguém que mais parece um lobisomem!
 — Mas já fez!
 — Aléc, cala essa boca!
 — Não... Outra vez ele se aproximou de mim e me segurou com força.
 — Aléc, me solta, desse jeito tu me machuca...
 — Me beija, agora!


 — Não!!! Por favor não me obriga!
 — Por isso que não acredito no amor de nenhuma mulher! Tu me rejeita pelo que sou! Falando isso ele me beijou.
 Havia um desespero enorme tomando conta de mim naquele momento, pela primeira vez eu estava apavorada, mas meu pavor foi maior quando ele acabou de rasgar a minha blusa e a arrancou, eu podia sentir aquele corpo estranho, um corpo que não era humano tocando o meu, por mais que eu lutasse contra ele acabou por me jogar no chão. Eu sentia algo que não posso descrever, era algo que talvez eu nunca mais sentisse e ao mesmo tempo eu tinha certeza de que ele não era aquele monstro e sim Aléc... era uma grande confusão na minha mente causada pelo medo e então comecei a chorar, por mais algum tempo ele me beijou e me segurou ali no chão, mas de repente me soltou, não sei, mas parece que voei e fiquei de pé no outro lado da jaula, ele sentado ficou me olhando.
 Não esqueço aqueles olhos, nunca! Eram olhos de quem sente por algo que não pode mudar.
 — Tu estás chorando... a voz dele era débil.
 — Fica longe de mim! Eu ainda soluçava.
 — Não ia te machucar...
 — Nunca mais me toca!
 — Taemy! Por favor! Ele ergueu-se e veio até onde eu estava, ergueu a mão como se fosse tocar meu rosto, eu desviei, fui para o outro lado da jaula.
 — Taemy, não foge de mim! Outra vez ele se aproximou e tocou meu rosto, ficou segurando e me olhando nos olhos.
 — Me deixa! Eu sei que não deveria ter entrado nessa jaula, mas pensei que tu não eras tão ruim assim...


 — Eu sei que tu ficou com medo de mim, mas eu não queria que tu ficasse assim, não!
 — Mentira Aléc! Tu sempre quis que eu tivesse medo de ti!
 — Não! Não foi isso, eu só te queria como sempre...
 — Não! Eu não sou nada pra ti, eu só sou um brinquedo! Tu só amou uma mulher como tu mesmo me disse e não é mais capaz de sentir nada, nada! Tu não sente, és um monstro assim ou com tua forma normal!!!
 Desta vez ele se afastou, sentou-se do outro lado da grade e baixou a cabeça cobrindo o rosto com as mãos:
 — Eu não sou nada disso... eu não sou incapaz de amar... eu pensei que fosse, pensei que fosse! Mas eu te encontrei, queria jogar em ti minha raiva por Elluanna ter me traído mas no fim de tudo eu ... eu acabei te amando. Mas agora eu sei que é impossível, tu não podes me amar sendo o que sou!
 Percebi que ele estava chorando, naquele instante eu esqueci o medo anterior e me aproximei dele, ajoelhei-me ao seu lado e passei a mão sobre sua cabeça:
 — Entende uma coisa Aléc, mesmo que eu te ame eu não posso, eu não consigo pensar em fazer amor contigo assim, e nem há um porquê, tu me tens, sabes disso, mas não dessa forma.
 — Me perdoa por tudo o que eu te fiz?
 — Deixa essa noite passar, logo amanhece e então nos acertamos, tu me dá teu sangue e me cura e vamos capturar o chupa cabras.
 Naquela noite ele dormiu deitado no meu colo, um monstro que nem ao menos agia como tal.


 Quando o dia amanheceu e Paola surgiu com Freire no paiol contamos a história que eu havia inventado.
 Explicados os fatos conseguimos ficar sozinhos na sala dos computadores, Aléc injetou um pouco de seu sangue em mim, eu sabia que era um risco, as mutações ocorriam de forma imprevisível, Freire era capaz de cicatrizar feridas, Aléc virava um lobo, e eu teria minha mutação com certeza.
 Certezas era o que eu menos tinha depois daquela noite terrível, eu havia feito não uma loucura, mas várias pelo preço de uma: havia me trancado numa jaula com um monstro, havia provocado esse monstro e por fim confessado que o amava.
 Eu o amava?
 Naquela noite acabamos montando guarda, o chupa cabras havia sido visto na noite anterior na fazenda vizinha (felizmente nenhum de nossos colegas ligou o nome a pessoa, ou seja, pensou que se o chupa cabras estava numa fazenda vizinha não poderia ser o mesmo preso na nossa jaula).
 Dito e feito, eram meia noite quando o animal entrou na cocheira, olhos vermelhos, fogo ardendo em sua fúria, estavamos escondidos, eu, Aléc, Hudson, Freire e Paola, mas não adiantou, o animal nos farejou, pulou contra nós disposto a nos devorar talvez, não sei, não vi o instante mas quando percebemos outro monstro lutava com ele:
 — São dois, atire! Hudson gritou.
 — Não! Não façam isso! Eu não podia deixar.
 — Porque Taemy? São eles que estamos caçando a meses!
 — Não Paola! Estamos caçando um deles, mas não o outro, o de ontem a noite...
 — O que estás falando Taemy? Freire também não me entendia.


 — Aléc... ele é um deles...
 Eu havia falado, a luta estava terminada, Aléc havia dominado o monstro e o encarcerado numa baia preparada para isso.
 Na manhã seguinte quando Aléc já havia voltado a ser o que era fomos todos até a baia...
 Surpresas maiores nos esperava, mas Hudson certamente havia recebido a maior, na baia não estava o temido monstro, mas sim uma garota encolhida, chorando:
 — Alice?!!!
 — Me tire daqui Hudson, por favor...
 — Vamos deixar os dois sozinhos... A decisão de Freire foi sabia.
 — Porque me enganou Alice?
 — Não foi isso, eu não podia fazer nada está fora de meu controle. Ou tu achas que eu ia destruir tudo o que o homem que me criou tinha?
 — Então por que?
 — Eu precisava me alimentar de sangue animal...
 — E o homem que tu matou?
 — Chico? Ele viu... ele sabia quem eu era.
 — Meu Deus Alice! Isso não é certo...
 — Eu sei... mas quando me criaram naquele laboratório não me criaram sabendo o certo e o errado, mas sim para testar...
 — E como veio parar aqui?
 — Eu era um lindo bebê abandonado, meu pai me encontrou e trouxe para cá...


 Foi triste saber que Alice era o chupa cabras, mas não poderíamos deixar ela cair nas mãos da ACO, matariam ela, decidimos então que ela deveria ser levada para um outro lugar, Freire a levaria para um planeta repleto de animais, com isso perdemos Hudson, preferiu ir com ela.
 Restava acabar com Alexander, afinal ele era o responsável por tudo o que estava acontecendo.
 Mas ele veio antes do que imaginamos, invadiu a sala de minha casa com uma arma em punho, iria com certeza nos matar sem que pudéssemos reagir.
 Aléc transformou-se, mas de nada adiantou:
 — O que é isso Aléc? Não esquece que eu tenho conhecimento de tudo isso!
 — Não faça nada contra ele! Freire interrompeu.
 — Que bela cena, dois irmãos unidos. Quais as outras surpresas me reservam?
 Era hora de descobrir qual mutação havia me afetado, respirei fundo e me aproximei de Alexander, encostei uma das minhas mãos no ombro dele:
 — O que há garota? Queres voltar para meu lado?
 — Não!!! quero te ver morto... Naquele momento eu descobri o que havia acontecido comigo, meu corpo podia emitir uma alta carga de voltagem.
 Foi assim que acabamos com Alexander, cada um deu à ele o que havia recebido dele, minha energia, a força descomunal de Aléc, as feridas que Freire tanto podia abrir quanto fechar e para minha surpresa o fogo que Paola podia soltar pela boca... é, ela havia recebido sangue também.
 Matamos Alexander, e daí?


 Hoje vivemos escondidos sob a fachada de pessoas normais, não sabem que somos mutantes, Hudson voltou com Alice para a Terra.
 A ACO acabou como começou, sem que ninguém soubesse...
 Segredos que a gente guarda.






    F  _©

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