quinta-feira, 28 de abril de 2011

— Não é sobre isso que estamos falando!
— Não! Mas tu estás me cutucando com isto fazem dias, precisava te dizer isso... e quanto a essa droga de reportagem não diz mais do que a verdade: não estamos casados de verdade, isso resume o que diz aí.
— Falam sobre um casal frio que nunca é visto junto em nenhum evento.
— E por que eu vou sair contigo?


— Porque temos que parecer marido e mulher quando estivermos diante da sociedade, quero que tu volte para casa, vamos jantar fora esta noite, num restaurante que chame atenção da imprensa.
— Tu é pouco inteligente, eles vão perceber que é uma resposta à reportagem.
— Mas é para ser! Vá para casa, quero que te vista com muita classe...
— Basta! Não vou me vestir como uma árvore de natal para sair sorrindo ao teu lado, não sou assim e não vou ostentar algo que não sou.
— Vai ser o que eu quiser enquanto não nos divorciarmos e não pretendo fazer isso...
— Mas tu me disse que iamos ficar casados só por algum tempo, iamos nos separar logo!
— Não vamos! Não quero divórcios na minha família, nunca aconteceram e nem vão acontecer.
Layla chegou em casa e trancou-se no quarto, Tonha havia percebido algo de errado, bateu na porta até que Layla resolveu abrir, encontrou-a com os olhos marejados de lágrimas:
— O que aconteceu Layla?
— Nada não...
— O Léo te mandou embora?
— Mandou mas não foi isso, ele quer que vamos à um restaurante esta noite por causa de uma reportagem que saiu no jornal...
— Eu li...


— Mas não quero ir... além disso ele me disse que não vai me dar o divórcio como havíamos combinado.
— Não fique assim, ele vai mudar de idéia, não poderá suportar a tua presença constante, agora vamos escolher uma roupa bem bonita e te arrumar, tu vai jantar com ele sim, e vai mostrar o quanto tu és bonita para esses jornalistas.
— Mas não quero fazer isso...
— Vai fazer, para mostrar para o Léo que tu não tens medo dele.
Eram nove horas quando Layla desceu, Leonardo esperava por ela no sofá:
— Estou pronta!
— Então vamos logo... Somente então ele ergueu os olhos.
— Se é isso que tu queres...
— Nossa, tenho que admitir que ao menos não vou ter o que esconder no teu estilo, tu estás maravilhosa.
— Obrigada!
Como Leonardo havia previsto alguns repórteres estavam no restaurante, era o que ele queria para fazer com que seu casamento parecesse real.
— Odeio esse tipo de situação.
— Não me interessa, tu vai ficar aqui, caladinha e fazer o que eu te mandar, não quero que percebam a grande armação que é o nosso casamento.
— Isso não vai durar para sempre!
— Para todos nós dois não só estamos casados como temos um filho, isso é o que nos interessa hoje.
— Droga!


— Vamos dançar...
— O que?!!!
— Nós vamos dançar, vem...
Layla sentiasse um robô nas mãos dele, mas não poderia causar nenhum escândalo para não arruinar os planos deles.
A música soava dolente, os braços dele a envolviam, mas parecia que ele não estava ali, Layla não o sentia, foi então que ele falou ao seu ouvido:
— Não reaja de uma forma selvagem como é o teu costume ao que eu fizer agora.
— O que? Layla perguntou muito baixo.
— Calada... Leonardo a enlaçou mais forte e segurou seu rosto dando-lhe um longo beijo.
— Não deveria ter feito isso!
— Creio que possamos ir embora.
Layla não trocou uma única palavra com Leonardo até chegarem em casa, lá ela subiu para o quarto e ele trancou-se na biblioteca.
Na manhã seguinte foi acordada por Leonardo com um jornal nas mãos:
— Olha só o resultado do nosso jantar!
— Que droga Leonardo! Eu ainda não acordei! E o que tu faz aqui no meu quarto? Quem te deu ordem de entrar dessa forma?
— De qualquer forma leia isso.
— Deixa eu ver... Layla sentou-se na cama e pegou o jornal, leu vagarosamente.
— E então?


— Coisa de desocupado, tome essa droga de jornal e saia do meu quarto!
— Meu quarto? Agora esse é teu quarto?
— Por favor Leonardo, saí daqui!
— Ficou muito bem essa foto, não acha?
— Para de me provocar!
— Não estou te provocando! Só quero a tua opinião sobre a fotografia...
— Quer saber de uma coisa? Pega essa foto e vai pro inferno! Layla levantou-se da cama com o jornal na mão e o jogou no rosto de Leonardo.
— Acordou de mal humor? O que é? Tá com algum problema que eu não saiba?
— Que droga Leonardo! O que está acontecendo contigo? Me deixa em paz, eu não estou afim de conversar contigo, esqueceu que somos estranhos?
— Calma, eu vou te deixar sozinha, só quero que tu fique em casa hoje, não saia, não atenda nenhum jornalista, temos que conversar um pouco antes de nos expormos.
— Em resumo eu estou presa nesta casa o resto do dia...
— Minha mãe está em casa, o bebê no quarto ao lado, faça o teu papel de mãe...
— Posso fazer, mas por que não faz o teu de pai?
— Porque eu não sou pai...
Eram dez da manhã, Layla estava no jardim com o bebê quando Tonha aproximou-se, tinha nas mãos um exemplar do jornal:
— Já leu isso?
— Teu filho já me fez ler logo que o dia amanheceu.


— De quem foi essa idéia?
— Dele, e isso me irrita profundamente.
— A reportagem diz que o casal está em lua de mel... é irônico!
— Ai dona Tonha, eu começo a me arrepender de ter feito isso... o Leonardo é muito estranho, ele me falou que já viveu com outra mulher.
— É e largou dela porque não queria filhos... é engraçado vê-lo casado contigo por causa do menino, isso não é coisa dele... não mesmo.
— Sabe, no fundo ele gosta muito da senhora e tem medo que a falta do menino faça mal, ele deve ser é muito cabeça dura, não quer deixar transparecer que tem sentimentos.
— E tu? O que tem para me dizer sobre meu filho além disso?
— Nada, eu e o Leonardo na verdade somos dois estranhos, um dia ele vai encontrar uma mulher que ame e vai querer ficar com ela, creio que então me dará o divórcio.
— E se não der?
— Ele dará, não tem sentido passar a vida casado comigo só para manter as aparências.
— E o que tu vai fazer da tua vida quando isso acontecer?
— Talvez voltar para a minha terra, ou tentar a vida por aí, não sei... isso é um caso para se pensar, mas eu nunca fui de pensar muito no que ia ser, e sim no que é.
— E vai nos abandonar?
— Não tenho que ficar dona Tonha, vocês têm a vida de vocês, como o Leonardo mesmo já cansou de me dizer: não somos do mesmo nível... eu sou diferente demais para continuar aqui, sei que a senhora entende.


— O nível social não importa quando se quer vencer na vida, tu és uma menina de fibra, não se deixa vencer tão fácil assim. Não vamos te deixar sair daqui e sumir.
— Será melhor para todos, não deverei ficar por perto para não atrapalhar a vida de vocês.
— E o menino? Não irás sentir saudades dele?
— Certamente que sim, mas não posso levar ele comigo, sei que não é meu.
— E por que não fica? Poderiam ser marido e mulher de verdade, sem esse fingimento, seria tão mais simples.
— Não dá! Eu e o Leonardo não temos nada em comum.
— Leonardo não sabe, mas o pai dele era de família muito rica, quando me conheceu e começamos a namorar foi uma grande confusão, eu era filha de uma irmã da empregada do pai dele.
— E nunca contou isso para o Leonardo?
— Não, mas deveria ter contado, Leonardo é muito apegado aos bens materiais, talvez tu tenhas razão em não querer ficar casada com ele ou levar esse casamento a sério, ele seria capaz de te infernizar a vida com as manias de sociedade dele.
— Leonardo jamais combinaria comigo em nada, somos água e azeite, não dá para misturar.
— Mas se ao menos os dois tentassem...
— Tonha, me desculpa, mas não dá...
— Não sou eu que posso insistir...
— Vou levar o menino para o quarto...


— Combina contigo a maternidade...
— Quem sabe?
Logo que a noite chegou Layla trancafiou-se na biblioteca, talvez ler fosse uma boa distração, estava a algum tempo intertida com um livro chamado Madame Bovary quando Leonardo entrou na biblioteca e trancou a porta:
— Hoje recebi um telefonema de um repórter de uma revista, quer nos entrevistar, fazer uma reportagem sobre nosso casamento.
— Nada feito, eu não vou dar entrevista nenhuma, Leonardo, eu nem sei o que dizer, esqueceu que nem nos conhecemos, ou melhor, nos conhecemos muito bem, eu fui tua empregada por alguns dias e me casei contigo para falsificar a maternidade e a paternidade de uma criança, o nosso casamento é uma maravilha, não somos mais casados do que água e azeite.
— Vamos dar essa entrevista, deixar que façam a reportagem, o que temos de fazer é treinar as respostas, temos que criar a história perfeita.
— Como? Cada um vai falar uma coisa e vão perceber que é mentira.
— Layla, eu tenho uma fazenda, nós dois vamos para lá, eu dispenso os empregados para ficarmos sozinhos, poderemos conversar e combinar o que vamos dizer ao repórter, vai dar tudo certo, tu vai ver.
— Leonardo, eu não vou para uma fazenda contigo sozinha.
— Layla, por que não?
— Porque não... eu não estou com vontade, mal te conheço, como tu quer que eu fique contigo sozinha, afinal não conseguimos conversar, já deu para perceber.
— Layla, eu sou teu marido, é um absurdo que tu não queira ficar sozinha comigo por uns dias na fazenda.


— Nã...não, tu não é meu marido, tu é meu sei lá o que... mas não marido, nós sabemos bem disso.
— Escuta uma coisa, eu tenho muita idade para ficar brincando com uma menina maluca, vamos no final da semana para a fazenda e nem mais uma palavra sobre isso. Era só o que me faltava, casado com uma mulher que nem tem coragem de ficar sozinha comigo!
— Não interprete errado, eu não quero ficar sozinha contigo simplesmente porque sei que vamos discutir.
— É? Melhor que seja por isso, porque por outro motivo ia ser ridículo...
— É, tens razão, outros motivos nem sequer existem.
— Eu vou conversar com a minha mãe sobre isso, boa noite...
Tonha estava no quarto, quando Leonardo entrou ela o recebeu com um sorriso:
— O que quer?
— Mãe, eu vou para a fazenda no final da semana.
— Fazem anos que não vai lá, o que houve?
— Preciso conversar com a Layla, já liguei para lá e dispensei os empregados da casa, tem um repórter querendo fazer uma reportagem com a gente e precisamos treinar as respostas as possíveis perguntas.
— E não podem fazer isso aqui em casa, dispenso os empregados se tu quiser.
— Não mãe, prefiro ir para a fazenda, afinal fazem anos e quero descansar um pouco também. O único problema é a Layla...
— E o que tem a Layla?


— Não quer ir, disse que não quer ficar sozinha comigo... mãe, eu estou enlouquecendo com essa garota.
— Sabe Léo, fazem anos que não te vejo falando dessa forma, mesmo não sendo um casamento de verdade eu acredito que está te fazendo bem.
— Está é me deixando louco, mas não posso voltar atrás, não posso me divorciar dela porque não quero escândalos na família, é contra os princípios do meu pai.
— E quem te disse que teu pai tinha princípios?
— Eu o conheci mãe...
— Teu pai nunca quis se divorciar para evitar os tais escândalos, mas me traia, eu aturei traições por longos anos.
— Mas eu não vou trair a Layla...
— Por quanto tempo acredita que vão conseguir viver juntos sem se interessarem por outras pessoas, ainda mais não estando casados no sentido da palavra, vai chegar a hora em que vão precisar de alguém...
— Mãe, eu não posso me divorciar dela, ela não vai querer nada, e seria injusto deixar que depois de tudo a gente deixasse ela na rua.
— Mais injusto seria ficar no caminho dela se tu não a queres de verdade, estás impedindo ela de ter uma vida normal, de arrumar um homem que a ame e a faça feliz.
— Mãe, eu não posso, sou bem mais velho que ela, de qualquer forma vai ser complicado para ela encontrar alguém, para todos os efeitos ela tem um filho comigo e é minha mulher, outros homens não vão saber que isso é mentira como nós soubemos.
— Mas o que tu queres então?


— Não sei, esse é o meu maior problema mãe, não sei o que faço com a Layla. Não posso simplesmente me livrar dela, e na verdade nem quero, queira ou não queira ela me ensinou uma lição: ela é capaz de tudo sem pensar no que vai acontecer.
— Tu andas muito preocupado com ela, tem certeza que não sente nada?
— Não, eu não sinto, só admiro ela, mas não quero que saiba disso.
Tonha sabia muito bem o filho que tinha, não era normal aquele tipo de preocupação vinda dele, muito menos com uma garota comum como Layla.
— Essa é a fazenda, o orgulho de meu pai... sempre vinhamos aqui quando eu era pequeno, meu pai tinha um cavalo separado para mim, era tão manso que jamais me derrubaria. Costumavamos cavalgar até a nascente e voltar quando escurecia.
— É uma bela fazenda, pena que pelo que tua mãe me disse tu não goste muito dela.
— Não é que eu não goste, mas não tenho tempo para perder com coisas assim: natureza, sonhos... amores...
— Tu acha que isso é perda de tempo?
— Para mim sim...
Eles haviam entrado numa casa grande e agora estavam na varanda.
— Vão nos perguntar onde nos conhecemos e como...
— Eu sei, o que tu diz sobre isso garota?
— Talvez tenhamos nos encontrado por acaso na minha cidade quando tu passavas e parou teu carro para me pedir uma informação...
— E onde que isso me fez te engravidar?
— Conversamos um tempo e acabamos começando um relacionamento inoscente, então nos encontrávamos na tua cidade até que...


— Até que tudo se tornou sério, quando tu engravidou eu optei por esconder a história até que o bebê nascesse, para evitar escândalos...
— É uma boa história, no mais, podemos dizer que não gostamos de falar sobre isso para poupar a minha família que é humilde.
— Muito bom, bem contada essa história seria capaz até mesmo de me convencer.
— Então não vamos ter de ficar aqui o fim de semana inteiro, já temos a história.
— Layla, eu não vou voltar, vamos passar o fim de semana aqui e pronto, tem muitas coisas na fazenda para eu te mostrar.
— Mas isso...
— Eu sou tão má companhia assim?
— Não... mas eu não sei, não estou com vontade de ficar... a gente não deveria nem mesmo estar levando isso tão longe, essas reportagens.
— Tu queres o divórcio Layla?
— Leonardo, a gente tem que se divorciar, daqui a pouco tu vai encontrar uma mulher que realmente queiras e não quero sair disso com fama de traida.
— Não vou te trair, isso eu te garanto... eu sei que meu pai traia a minha mãe, sei que ela sofreu muito, não quero te deixar mau.
A tarde Leonardo insistiu em ir até o engenho de açúcar, queria mostrar tudo o que o pai mais gostava na fazenda:
— Conhece o processo?
— Conheço, e tu?


— Me recordo de cada palavra do meu avô explicando isso, vem cá... Ele a chamou para perto de uma gamela de madeira onde formavam-se grossos cristais sobre um líquido negro, pegou um dos cristais e sentou-se sobre uma mesa rústica:
— Já provou disso?
— Algum tempo atrás, mas já nem me lembro o gosto que tem...
— Vem cá, pode chegar perto de mim que eu não mordo, esquece do Leonardo empresário, vamos aproveitar esse fim de semana como gente normal.
Layla aproximou-se dele parando na sua frente:
— Deixa eu te fazer provar esse doce tão puro que mais parece cristal... Leonardo levou o cristal até perto dos lábios dela, fez menção de colocá-lo em sua boca, mas o passou pelos lábios lambuzando-os e só então o colocou na boca.
Layla fez menção de limpar os lábios cobertos pelo melado da cana, mas Leonardo segurou os pulsos dela e empurrou os braços para as costas ao mesmo tempo em que a puxou para perto:
— Assim perde a graça, deixa que eu limpo... Falando isso ele começou a passar a língua sobre os lábios dela vagarosamente até que a puxou para muito perto dele e a beijou, ela livrou-se das mãos dele:
— Está louco Leonardo?
— Foi só um teste, eu queria saber que gosto teria o beijo da minha mulher.
— Eu sabia que não deveria estar aqui contigo... Layla saiu e o deixou sozinho.
Quase uma hora depois Leonardo entrou no quarto onde Layla estava:
— Desculpa pelo que aconteceu lá no engenho, eu não quis te ofender.


— Eu só não entendo porque tu fez isso.
— Acho que minha mãe tem razão, não posso ficar contigo e te impedir de ter um homem que tu realmente queira, mas não posso me separar de ti, ia estar te deixando na rua, exposta.
— Não vamos mais falar sobre isso, por favor, não enquanto estivermos aqui nesta fazenda sozinhos.
— E o que vamos fazer? Temos que encontrar uma solução para nós.
— Tu sempre tem uma resposta para os negócios, encare o nosso casamento como um negócio e o resolva.
— É isso que significa para ti?
— Leonardo, o que tu queres que eu te diga?
— Ao menos que sente pelo que houve...
Pelo resto do fim de semana os dois mal se falaram, so voltar para casa Layla começou a apresentar um novo comportamento, passava os dias trancada no quarto ou perambulando pelo jardim esqueceu-se até mesmo do trabalho na empresa, nem com Tonha falava, estava alienada do mundo.
Por uma semana Tonha deixou que aquilo fosse passando, mas um certo dia resolveu procurar por Leonardo na empresa, ele deveria saber o que estava acontecendo com Layla:
— Filho, o que aconteceu naquela fazenda para que a Layla ficasse tão estranha?
— Nada, eu não sei o que está acontecendo com aquela mulher.
— O que tu andou fazendo com ela?


— Eu apenas a beijei, creio que isso não é motivo para que ela fique nesse estado depressivo.
— Depende da forma que tu a beijou...
— Ah mãe, tenha a santa paciência, eu a beijei e só, disse que queria saber o gosto do beijo dela...
— Tu estás ficando maluco mesmo! Está agindo como um moleque, um homem da tua idade!
— Eu é que não entendo o que a senhora pensa, uma hora diz para que eu dê o divórcio para a Layla, quando eu concordo diz que não posso deixá-la. Quando eu a ignoro e critica e quando eu faço alguma coisa para ao menos parecer marido dela também acha errado. O que a senhora quer que eu faça?
— Que respeite a garota! Não vê que ela não é uma qualquer para ficar brincando com ela? Será que vou ter de tomar uma atitude quanto ao teu comportamento com ela?
— Vou conversar com ela assim que eu chegar em casa.
— Eu vou esperar...
Leonardo chegou em casa cedo naquele dia, o sol ainda estava iluminando o jardim e Layla parecia perdida em meio as plantas, sentada nas escadas que levavam ao pequeno alpendre parecia ter a mente muito longe daquele lugar, Leonardo aproximou-se dela e sentou-se ao seu lado:
— Layla, eu estou preocupado com esse teu comportamento desde que voltamos da fazenda.
— Que comportamento?
— Esse teu silêncio assustador!


— Não acho assustador, só não estou com vontade de falar, não tenho sobre o que falar e nem com quem falar.
— Layla, eu queria te pedir desculpas pelo que aconteceu na fazenda, na verdade eu acredito que esse teu comportamento é pelo que houve...
— Não seja presunçoso, eu já nem sequer me recordava do que houve.
— Quer dizer que não é por minha culpa?
— Tua presunção é realmente assustadora! O que está acontecendo, se é que te interessa, é que estou com saudades de casa, de ver a minha gente... a gente pobre, mas que me dá saudades de estar perto. Mas isso tu não deves entender, não és capaz nem de sentir carinho ou respeito, quem dera saudade?
— Tu realmente não me conhece Layla! Eu não sou assim tão duro, estou aqui contigo, não estou?
— Certamente tua mãe te pediu que viesse, ela é muito meiga...
— Ela me pediu sim, mas não é por isso que estou aqui, eu me preocupo contigo, é verdade!
— Sabe Leonardo, eu preferia que tu continuasse longe de mim como antes, ao menos assim eu não ia ter lembranças de ti quando fosse embora.
— Mas tu vai lembrar de mim por muito tempo, a gente é casado e eu não vou te dar o divórcio, esqueceu?
— Leonardo, mas para que tu quer ficar casado comigo? O que tu ganhas com isso?
— Pelo menos param de especular sobre minha vida particular, ser solteiro quando se é conhecido não é nada fácil.
— Mas especulam sobre tua vida a mesma coisa.


— Por pouco tempo, só enquanto tu és uma novidade para eles, depois nos esquecem.
— É, pode ser. Mas o que vamos fazer pelo resto das nossas vidas? Passar os dias discutindo e trocando ofensas?
— Não sei, mas o que fizermos vai ser coisa nossa.
— Vou para dentro. Layla levantou-se.
— Espere! Leonardo ergueu-se e a segurou pelo braço.
— Esperar o que?
— Queres visitar a tua cidade?
— E se eu quiser?
— Não tenho compromissos sérios amanhã, posso te levar até lá, ficamos lá até a noite e voltamos. Se tu queres eu te acordo bem cedo e vamos.
— Pode ser, mas solta o meu braço...
— Eu só quero te agradar, não me afasta assim!
— Eu não estou te afastando, só não quero que tu te aproxime de mim, não vamos passar muito tempo próximos...
— Nem ser teu amigo eu posso?
— Está bem, então seremos amigos... espero que possa confiar em ti.
Quando eram quatro da manhã Leonardo bateu levemente na porta do quarto de Layla, mas não ouviu resposta, forçou um pouco a porta e descobriu que estava destrancada, entrou sem fazer qualquer barulho e a encontrou dormindo tranqüilamente. Sentou-se na cama e afastou os cabelos do rosto dela, vendo que seus braços estavam descobertos correu levemente os dedos sobre eles:
— Acorda minha menina, está na hora de pegarmos a estrada.


— Que horas são? Layla despertou, apenas abriu os olhos e fitou-o, pareceu não perceber as mãos dele em seus braços.
— Quatro horas da manhã, vamos sair?
— Tão cedo?
— É... é longa a viagem, esqueceu?
— Não... mas estou com tanto sono...
— Eu já sei como te acordar...
— Sabe...
Leonardo saiu de perto dela por uns instantes, tempo suficiente para que tornasse a adormecer. Minutos depois voltou e a descobriu, ergueu-a no colo e só então ela pareceu acordar:
— O que está fazendo?
— Te acordando - disse ele colocando-a no chão e abrindo o boxe do chuveiro - vou te dar um banho...
— Nem te arrisca a me enfiar debaixo do chuveiro com roupa e tudo...
— É só tirar, não seja por isso...
— Palhaço, vai, me espera lá no quarto, vou tomar um banho e já estarei acordada...
Leonardo deixou-a, meia hora depois ela estava no quarto, acordada:
— Então, acordou?
— Acordei, agora o senhor vai sair daqui para que eu possa me trocar.
— Não precisa se incomodar comigo, faça de conta que não estou aqui.
— Tchau Leonardo, fique lá fora até que eu diga o contrário. Layla o arrastou pelas mãos até fora do quarto e trancou a porta.


Eram cinco e meia quando os dois pegaram a estrada.
Pelo dia inteiro estiveram na cidade dela, em nada Layla parecia-se com a garota triste de um dia antes, estavam quase que impedidos de falar com as pessoas, a não ser com a família, tinham medo que seu segredo viesse a tona.
O maior espanto porém, para Layla, era a forma com Leonardo tratava a família dela, era gentil, conquistava a confiança deles de uma forma que ela não poderia dizer nada sobre como era a vida dos dois.
Quando a tarde já estava pela metade resolveram voltar para casa.
— Onde os dois estavam? Não me avisaram que iam sair, o Leonardo não avisou nada na empresa, deixou tudo de pernas para o ar. Não é o teu costume filho, o que houve?
— A gente estava lá na minha casa...
— Na tua casa Layla?
— Eu resolvi levá-la para ver os pais, estava um pouco saudosa e eu não quero que acabe adoecendo como um passarinho na gaiola. Então resolvi levá-la, saímos de madrugada, por isso a senhora não nos viu.
— O que está acontecendo aqui? Será que estão se entendendo?
— Não da forma que a senhora pensa, somos só amigos... Não é Leonardo?
— Claro... mãe, vamos na biblioteca, quero que me diga o que houve na empresa hoje...
Já na biblioteca:
— O que está havendo?


— Mãe, eu queria que a senhora me ajudasse, hoje eu pude ver bem quem é a Layla, a família dela é gente simples, muito simples, mas parece que isso não é problema.
— E no que eu posso te ajudar?
— Queria ajudar eles, mas sem ofender, não queria que pensassem que estou dando algo, mas sim que estou querendo ser... não sei, um amigo talvez.
— Leonardo, teu pai sempre esteve em meio ao dinheiro
— Eu sei mãe, nossa origem não é a mesma da Layla...
— Não meu filho, eu não sou de família abastada como tu sempre pensou...
— O que a senhora quer dizer com isso?
— Na verdade o teu pai é de uma família rica, e é o sobrenome dele que tu herdou, mas eu sou de origem humilde, teu pai me conheceu nesta casa quando eu visitava a minha tia... a empregada da casa.
— E por que nunca me contou isso?
— Teu pai enfrentou a família dele e eu a minha, não era o desejo deles que nos unissemos, mas a gente enfrentou tudo e todos para nos casarmos, e fomos felizes por algum tempo, afinal era tudo como um lindo sonho, mas não durou mais do que isso, um dia eu descobri que teu pai não me era fiel, não poderia me divorciar, ele não aceitaria isso e jamais, jamais me deixaria sair desta casa com o filho dele: o único orgulho verdadeiro dele. Por isso teu pai sempre te criou assim, sem saber da minha verdadeira origem, cheio de orgulho.
— Mas a senhora nunca pensou em deixar meu pai, mesmo sem o divórcio?


— Pensei sim, mas não poderia sair daqui contigo, não tinha mais para onde ir e logo estariamos na mais completa miséria, eu não poderia levar uma criança para uma vida miserável e se te deixasse, o que jamais faria, teu pai nunca mais me deixaria te ver. E por isso eu fiquei, para te criar...
— Então foi isso que te fez adotar esse menino? Foi tua história?
— Eu imaginei que este menino poderia ter a mesma história que tu, mas não, não tem, felizmente eu o acolhi, porque a história dele é diferente da tua; a mãe dele não o quis. Mas a Layla entrou nesta história como eu a muitos anos, certo que esse bebê não é filho dela, mas ela largou a vida para dar um futuro para ele.
— Eu vou ajudar a família dela, vou conversar com ela.
Talvez a intenção de Leonardo fosse a melhor possível, mas ele preferiu esperar mais algum tempo para falar com ela sobre o assunto.
No dia seguinte Layla resolveu voltar à empresa, no horário do almoço Leonardo a procurou, queria convidá-la para almoçar fora, e assim acabaram saindo, após o almoço num extremo silêncio Leonardo levou-a até uma praça próxima a empresa:
— Layla, eu queria te falar sobre um assunto que diz respeito a nós dois.
— E qual assunto é este?
— Layla, a minha mãe me contou a verdadeira história da vida dela com meu pai.
— Eu sei, ela já havia me falado sobre o assunto.
— Veja como são as coisas, eu sou o filho dela e é para uma estranha que ela conta tudo sobre a vida dela.
— Talvez tu não tenhas dado uma oportunidade para ela falar.


— Mas não é sobre isso que eu queria falar contigo, o que eu tenho para te propor é algo diferente... sabe Layla, eu não conhecia teus pais, não sabia nada sobre eles, mas agora que tive a oportunidade de conhecê-los eu quero poder fazer algo, auxiliar eles no que eu puder.
— O que tu queres dizer com isso?
— Quero poder prestar algum tipo de ajuda material para eles.
— Se tu pensas em dar dinheiro para a minha família esqueça, não precisamos de esmolas.
— Não são esmolas, eu sou teu marido, eles são meus sogros e eu tenho muito porque ajudá-los.
— Tu não és meu marido, portanto não são teus sogros, são meus pais. Não quero te dever nada quando isso acabar.
— Não cobrarei nada, tu tens feito muito por minha mãe, deixe eu fazer algo por teus pais.
— Não! Definitivamente eu não quero que tu faça nada por ninguém de minha família! Entenda uma coisa Leonardo, eu não posso aceitar nada de ti, não quero te dever nada depois.
— Layla, eu falo sério quando falo que não vou te dar o divórcio, eu não quero que te zangues com isso, mas não vou te dar o divórcio e isso te faz minha esposa e por conseguinte minha herdeira.
— O que?!!! Não fale besteira! Não vou ser tua herdeira, não tem sentido nenhum, além do que tu pensas em morte.
— Eu sou mais velho que tu, isso me faz deduzir que morrerei primeiro.
— Leonardo, não fala esse tipo de coisa...


— Me deixa ajudar tua família...
— Não, por favor.
— Layla eu não vou te cobrar nada, nem tenho como fazer isso...
— Por isso que não quero, não terei como te pagar.
— O que eu posso fazer para te conquistar?
— Nada! Vamos voltar para a empresa, está na hora.
Leonardo estava cada dia mais percebendo que Layla não era fácil de convencer.
A vida tinha se tornado cada vez mais estranha para Layla, estava envolvida numa história complexa, tinha agora muitos problemas para resolver e estava presa à um homem estranho.
Alguns dias passaram-se sem que Layla falasse com Leonardo, não queria tornar ao assunto dos pais e nem ao divórcio que Leonardo negava, mas numa certa noite ouviu quando o telefone tocou e logo Tonha apareceu nervosa na sala, chamou por Leonardo e o levou para a biblioteca:
— Léo, aconteceu algo que tu precisas avisar para a Layla.
— O que aconteceu mãe?
— Parece que tomaram a casa dos pais dela, uma divida com um tratamento de saúde.
— Não posso deixar que isso aconteça, nem que tenha de trazê-los para cá.
— Tu me disse que ela não aceita tua ajuda, mas agora tu vai ter de fazer algo, Leonardo, fale com ela, convença-a.
— Farei isso mãe, nem que para tanto eu precise obrigá-la.


Leonardo saiu da biblioteca e foi direto ao quarto de Layla, entrou sem avisar e trancou a porta:
— O que houve?
— Preciso te contar algo sobre teus pais...
— O que aconteceu com meus pais Leonardo?
— Layla, eles tiveram a casa tomada para cobrir uma divida com um tratamento de saúde.
— O que?!!!
— Tu vai ter de aceitar a minha ajuda, ou eu recupero a casa deles ou trago eles para cá.
— Leonardo, trazer eles para cá seria matá-los, estão acostumados à nossa cidadezinha, não iam resistir à essa vida.
— Vou mandar o advogado da empresa comprar a casa e devolvê-la para eles, tu vai ter de aceitar, não podes deixar o teu orgulho atrapalhar a vida dos teus pais.
  E o que tu vai querer em troca? Outra entrevista como aquela da revista? Outra foto no jornal?
— Se um dia eu te cobrar isso não vai ser em bens materiais, é só o que posso te dizer, Layla, a gente cometeu um grave erro ao nos casarmos: estragamos as nossas vidas, mas o que eu sei é que na verdade um erro pode ser um acerto. Eu estou aprendendo muitas coisas contigo, na verdade nunca estive tão bem, estou vivo... as tuas loucuras me fizeram reviver. Sei  que tu não estás bem, mas eu te devo muito.
— O que quer de mim?
— Não sei, a única coisa que sei é que não vou te deixar fugir de mim: agora tu és minha e mesmo que não seja entre essas paredes é por lei.


— Leonardo...
— Boa noite Layla!
As palavras dele pareciam ter um certo mistério, algo que Layla não conseguia descobrir. O que fazia aquele homem a manter ali? Poderia simplesmente mandá-la embora e não o fazia.
Em apenas um dia Leonardo resolveu o problema dos pais de Layla, agora para eles ele era um herói, o homem mais do que perfeito para a filha.
— Mãe, eu vou para a fazenda neste fim de semana.
— O que está procurando por lá Leonardo? Não pretende levar a Layla outra vez?
— Vou levá-la, não posso deixá-la sozinha por aí.
— Ou será que é medo de perdê-la?
— Tenho de admitir que sim! Só que ela ainda não percebeu isso...
— Então meu filho que era averso ao casamento está querendo levar isso até o fim?
— E por que não?
— Tu que deves saber...
— A senhora a trata feito uma filha, os pais dela me adoram...temos um lindo filho para criar juntos, além disso eu estou casado com ela, nada mais justo do que ir até o fim com isso.
— E o que significa esse até o fim?
— Um casamento não é só papel mãe, o papel eu tenho, falta-me o resto e eu pretendo ter esse resto esse fim de semana.
— Tu vai machucar essa garota.


— Não, vou apenas fazer dela a minha mulher. Mãe, não quero que a senhora interfira nisso, por favor.
Leonardo havia procurado pela mãe ainda cedo, mas não havia criado coragem de dizer à Layla onde pretendia passar o final de semana.
Não era costume dele aparecer em casa durante a tarde, mas naquele dia resolveu procurar Layla em casa, encontrou-a sentada na beira da piscina lendo uma revista, sentou-se ao seu lado e colocou uma rosa vermelha no seu colo:
— O que tem de interessante nesta revista?
— Uma pequena reportagem sobre os casamentos dos dias de hoje.
— Eu vim te procurar...
— Para que? Estou até assustada, nunca te vi em casa de tarde.
— Eu vou para a fazenda amanhã cedinho, quero te levar comigo.
— Qual é o plano desta vez?
— Nenhum, ao menos que diga respeito à repórteres ou sociedade...

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