quinta-feira, 28 de abril de 2011

Loteria da vida...

O tempo é frágil, tão frágil que não consegue passar sozinho e nos carrega com ele, ele é tão lento que não corre sozinho, precisa que nós corramos com ele, mas nós não vemos isso, nossa mente não se dá conta disso e cada dia mais aceleramos o tempo.
Quisera ter percebido isso antes, mas só agora posso perceber, agora que anos e anos passaram e estou aqui, sozinha com minhas lembranças... a solidão não me angustia, não é real, mas o que me angustia é saber que eu fui a culpada por ter acelerado tanto o tempo a ponto de não mais conseguir diminuir sua velocidade... diminuir sua velocidade era tudo o que eu mais queria na minha vida, ou no que resta dela, mas hoje eu sei que isso é impossível, eu já não tenho muito tempo para acelerar e por isso talvez aproveite o pouco que me resta para sentar aqui e escrever, deixar fluir em letras o que eu sinto agora.
Sei que quando alguém se atrever a ler isso eu já não serei mais do que um nome em alguma lápide, isso se eu receber uma lápide, não estou aqui para fazer exigências sobre isso, nem sei se mereço, mas não posso passar o resto dos meus dias escondendo um terrível segredo que me deixa muito mais do que angustiada, me deixa morta por dentro antes mesmo de morrer.
Na verdade meu segredo não envolve a minha vida, mas envolve muitas vidas e eu destruí muitas vidas quando resolvi mantê-lo, felizmente algumas pessoas sabem vencer obstáculos e dar a volta por cima... porque se não fosse assim eu não saberia nem ao menos o que fazer com essa minha maldita existência...


Se eu existi deve ter sido por algum motivo, não sei qual... mas agora que vejo o relógio de minha vida passar tão rápido na minha frente eu creio que já não valha mais a pena esconder as coisas que vivi, nem esconder as coisas que fiz pessoas do bem viverem por minha irresponsabilidade e inoscente maldade.
Na verdade eu tive uma  amiga , uma amiga que infelizmente eu nunca soube reconhecer e que por longos anos tive como inimiga e rival...na loteria da vida...
Meu nome é Nicole... minha amiga chamava-se Layla...

Layla e Nicole eram do tipo amigas inseparáveis, nada do que acontecia ao redor delas podia separá-las, discutiam, mas nem horas se passavam antes que novamente estivessem juntas e rindo do que havia passado.
Porém Nicole em nada se assemelhava a Layla, apesar de aparentarem ser quase iguais, Nicole era uma garota sem muitos escrúpulos quando tratava-se de relacionar-se com alguém, não tinha grandes preocupações em entregar-se intensamente à uma relação sem  ter nenhuma preocupação também em terminar uma relação. Layla era uma garota extremamente conservadora em matéria de relações amorosas, não entregaria-se à uma relação com intensidade sem que houvesse amor.
Mas essa diferença entre as duas amigas seria exatamente o que as faria viver durante toda a vida uma história que jamais haveriam imaginado viver durante os anos em que a amizade durou sem que houvessem separações, uma história que as faria passar toda uma vida sem que jamais pudessem realmente deixar o passado de lado.
Nicole havia resolvido que teria de mudar de vida, estava cansada de viver na mesma cidade por tantos anos e queria arriscar algo diferente em sua vida, assim acabou tomando um ônibus numa manhã de janeiro e partindo para uma cidade maior onde iria trabalhar como babá.


Layla resolveu continuar na mesma cidade, não tinha nenhuma vontade de sair e arriscar uma vida nova sem ter ao menos um alicerce seguro para se firmar.
E assim as inseparáveis amigas acabaram tornando-se quase estranhas, no início escreviam e ligavam uma para a outra quase que semanalmente, depois mensalmente, bi, trimestralmente e por fim não mais se falavam.
Um ano e meio se passou desde que Nicole saiu da cidade, Layla resolveu que estava na hora de partir, tinha um lugar para ficar, tinha um emprego talvez não tão garantido e restava apenas tentar uma nova vida longe de sua terra e então numa manhã de inverno partiu com os olhos marejados de lágrimas e uma ponta de saudade antecipada no peito.
Tudo estava certo, tudo tinha seu lugar definido, mas talvez não por muito tempo.
Haviam apenas três dias que Layla havia chegado na nova cidade e resolvido naquela tarde fria caminhar um pouco para acostumar-se com o novo ar que haveria de respirar, numa rua qualquer ouviu alguém chamar-lhe:
— Layla... Layla, o que faz aqui?
— Nicole? Não esperava te encontrar por aqui!
— Nem eu, o que anda fazendo por essas ruas?
— Moro aqui perto, num apartamentozinho que aluguei.
— Quando veio para cá?
— Fazem só três dias, e tu, o que andas fazendo por aqui?
— Estou trabalhando ainda... mas não sei até quando vou continuar.
— E por que não?


— As coisas não estão saindo como pensei que fossem sair, sabe como é, a gente vem para cá com a cabeça cheia de sonhos e quando vê já caiu na realidade... só que tarde demais!
— Aconteceu alguma coisa contigo Nicole?
— Muita coisa Layla, mas não te preocupa, o que aconteceu comigo certamente não vai acontecer contigo, somos muito diferentes em certas ocasiões.
— O que tu estás querendo dizer Nicole? Melhor, vamos até o meu apartamento e me conte o que houve contigo.
Aceitando o convite da amiga Nicole foi até o apartamento.
— Sabe Layla, tu sempre foi bem mais consciente do que eu, agora eu vejo isso, mas é tarde, o tempo passa muito rápido para nós quando estamos com problemas.
— Desse jeito tu me assusta Nicole, o que afinal das contas, aconteceu contigo nesse último ano?
— Eu vim para cá trabalhar e tentar uma nova vida, mas o que eu fiz foi estragar a vida que eu já tinha.
— Como assim?
— Eu não sei como cheguei ao ponto em que cheguei, mas eu fiz muitas besteiras nos últimos meses em que estou aqui, no princípio eu não percebi que havia mudado para um lugar estranho, que as coisas não eram bem como na nossa pequena cidade.
— O que tu fez?


— Na verdade me envolvi com um homem, parecia o homem dos meus sonhos Layla, maravilhoso, tudo corria bem entre nós, para variar eu me entreguei sem pensar, só que desta vez eu acabei me machucando de verdade.
— Teu mau costume de não pensar antes de agir!
— Eu acabei engravidando Layla, ninguém soube disso, ninguém... e espero que tu nunca conte isso à ninguém, em nome da nossa amizade!
— O que aconteceu com a criança?
— Eu abortei, ele me pediu que eu fizesse isso porque não tinhamos condições de criar um filho ainda.
— Isso é crime!
— Não me condene Layla, por favor me escute, não é tudo, mas confio em ti!
— Está bem, nada deve ser mais atroz do que isso!
— Uns dias depois do aborto ele sumiu, fiquei depressiva, acabei perdendo o meu emprego, depois disso fui trabalhar numa casa de família, outra vez me envolvi com a pessoa errada, o marido da minha patroa, infelizmente eu engravidei novamente, mas não pude abortar, não porque não quisesse, mas minha patroa quando soube que eu estava grávida me fez ter o filho, era extremamente religiosa e não permitiria um aborto debaixo do seu teto, mas quando o tal filho nasceu ela descobriu quem era o pai e me expulsou de casa com o filho nos braços, então eu caminhei por algumas horas com aquele pequeno fardo, quando cheguei em frente à uma bela casa, resolvi que era melhor deixar meu filho ali, não poderia criar aquele bebê e nem queria, não podia querer um filho de um homem casado.


— Isso tudo é tenebroso Nicole! Não reconheço a amiga que vi partir a um ano e meio atrás, reconheço sim um monstro sem escrúpulos. Onde está a tua dignidade, teus sentimentos? Não pensa no que pode ter acontecido com esse bebê?
— Não! Não penso...
— Em que lugar tu deixou esse bebê Nicole? Onde está essa criança?
— Não posso te falar, sei que irias amanhã mesmo até lá e tentarias retirar a criança daquela família.
— Nada te faz sentir ao menos remorsos?
— Não, eu só tenho uma recordação daquele bebê, uma foto dele que a minha patroa tirou assim que ele nasceu.
— E onde está essa foto?
— Tome, não quero ficar com isso. Nicole estendeu a fotografia de um bebê nú, a única característica que chamou atenção de Layla foi um sinal na perna esquerda, na altura da coxa.
— Desculpe-me Nicole, mas não sei se posso continuar sendo tua amiga sabendo de tudo isso, não vou contar nada à ninguém, será nosso segredo, mas não posso compactuar com isso.
— Entendo, tua moral não permitiria isso, mas saiba de uma coisa Layla, tu chegou aqui a três dias, muita coisa ainda pode acontecer contigo nessa cidade apesar de tua moralidade sempre houve quem te buscasse e tentasse te convencer do contrário, não esqueça disso.
— Eu jamais cometi erros nesse sentido Nicole, mesmo que tenha tido todas as oportunidades do mundo.


— Aqui ninguém sabe quem é quem, meu filho é de um homem casado, não te esqueça que isso pode acontecer contigo.
— Sim, mas não abandonaria um filho.
— Falar é fácil minha cara, quando a realidade nos atropela tudo pode mudar, tudo...
— Disto não tenho nenhuma dúvida, mas existem coisas que não mudam... não te condeno, mas não sei até onde posso te entender.
— Está bem, vou te deixar meu endereço, se um dia vier a mudar de idéia basta me procurar.
— Não vou te dizer que jamais vou te procurar, nem que demorarei para isso.
Layla sabia que suas idéias podiam mudar como o tempo lá fora, mas quando viu a amiga sair sentou-se no sofá, não conseguia entender como a amiga podia ter mudado tanto, não a amiga que dividia os sonhos com ela, mas não podia negar que a amiga havia mudado muito, demais para que ela pudesse aceitar.
Por algum tempo permaneceu sentada com os olhos perdidos no teto do apartamento, por fim resolveu que de nada adiantaria ficar ali lamuriando-se com os erros da amiga, tinha uma vida para viver e não podia perder um segundo com os problemas alheios.
Havia vindo de sua cidade sem saber exatamente para que, mas tinha uma certeza, ia vencer na vida, tinha largado um emprego fixo, uma renda não alta, mas mensal para envolver-se numa nova aventura, essa talvez bem mais interessante do que a vida correta que estava acostumada a levar.


Seu novo emprego era em uma grande empresa, iria ser uma espécie de orientadora para os filhos dos funcionários, um cargo novo criado por sugestão de um funcionário e que a sócia majoritária havia adotado sem exitar. Num concurso Layla havia conseguido a vaga.
Pensando no seu novo emprego Layla decidiu finalmente que não poderia dispensar atenção com o problema da amiga, mesmo porque a amiga não via nada daquilo como um problema e sim como uma solução.
Na dia seguinte Layla apresentou-se na empresa, teria que procurar pelo diretor da mesma para acertar os últimos detalhes e iniciar o trabalho. Chegando ao prédio onde funcionava a tal empresa viu-se num ambiente sombrio, o ar parecia pesado, sóbrio ao extremo, perguntou à recepcionista pelo tal diretor, tinha horário marcado.
A resposta foi seca, a funcionária ergueu-se pesadamente da cadeira onde estava sem nem ao menos voltar-lhe os olhos e caminhou a sua frente, indicando apenas que a seguisse.
Por alguns minutos aguardou fora da sala pela resposta da recepcionista, enquanto esta na sala do tal diretor...
— Doutor Leonardo, está aí fora a tal orientadora que sua mãe contratou.
— Ora essa! Com tantos problemas na minha família eu ainda tenho que aturar essas idéias da minha querida mãe! Mande essa mulherzinha entrar, já que tenho que fazer isso é bom que seja o mais rápido possível e quem sabe a minha mãe desista disso antes do que esperamos...
— Mando ela entrar?
— Mande Anastácia, mande antes que eu mude de idéia.


A um sinal da recepcionista Layla entrou na sala, atrás de uma mesa de mógno estava um homem de uns quarenta anos que voltou-se rapidamente e a encarou por alguns segundos:
— Vim pelo emprego de orientadora.
— Eu sei, não temos muito o que tratar, minha mãe é a sócia mojoritária e presidente desta empresa, foi dela a idéia de te contratar, mas quem manda aqui sou eu, tenho carta branca para tomar as atitudes que me são convenientes.
— Não tenho dúvidas disto.
— Reservamos uma sala para que tu possas exercer a tua função no andar inferior, espero que não me cause problemas com essas crianças e adolescentes por aqui.
— A minha função é exatamente não causar problemas e resolvê-los quando possível.
— Tem uma coisa que eu quero que fique bem clara para ti: eu não sou favorável à esta função aqui na empresa, detesto crianças, detesto esse tipo de atividade, minha mãe tem esse tipo de idéia, eu não. Isso quer dizer que eu não vou tolerar qualquer afronta, qualquer deslise teu, em resumo: se causar um problema que for por aqui está na rua.
— Está certo... não sou nenhuma novata na profissão, sei o que estou fazendo na minha área tanto quanto o doutor na sua.
— Me parece bastante audaz, não gosto disso, gosto que me respeitem!
— Respeito as pessoas a medida que me respeitam, mas não provoco confusões, pode ficar tranquilo, não estou aqui para fazer nada que te desagrade.
— Vou mandar a Anastácia mostrar a tua sala, qualquer coisas que tu precisar procure por ela, é minha secretária e tem carta branca para esse tipo de assunto.


— Pois não...
A tal Anastácia era um tipo de mulher que jamais sorri, devia ter seus cinquenta anos, sombria como o prédio.
Quando viu a sua nova sala Layla teve um choque, era uma sala espaçosa, dois cômodos, mas não passava disso, estava mobiliada com uma mesa grande e umas duas menores, umas cinco cadeiras e só.
— Isso aqui não vai poder continuar assim!
— O que disse?
— Teu chefe me disse que poderia pedir o que quisesse para ti, pois eu já sei do que vou precisar.
— Faça uma lista e me entregue na minha sala.
— Está bem, eu farei isso e te entrego ainda hoje pela manhã.
Sozinha na nova sala Layla pôs-se a pensar, precisaria de mais umas seis cadeiras, estantes, livros, um computador... enfim o necessário.
Dois dias depois estava com a sala que queria, a primeira com a mesa grande  e o computador, a segunda com as demais mesas, estantes, materiais e tudo de uma única cor: azul.
Restava agora começar o trabalho, mas naquele dia a tarde Anastácia anunciou que a presidente da empresa estava esperando para visitar a nova sala e conversar com ela, um nervosismo tomou conta da garota, tinha que receber a chefa com cuidado, já bastava o atrito com o filho da mesma.
Mas a senhora que entrou em sua sala em nada lembrava o homem frio que a recebeu:


— Boa tarde garota, vim ver como andam os preparativos para o seu trabalho.
— Boa tarde, as coisas estão quase prontas, resta apenas receber as pessoas aqui.
— Logo aparecerão... não te preocupa, mas o que achou do lugar?
— Resolvi dar um toque pessoal, espero que a senhora não se importe muito, é que eu gosto de cores mais claras nesse tipo de trabalho.
— Não tem nenhum problema e nem me deve explicações, a especialista nesta área é você, não eu e nem outro funcionário por aqui, tem minha permissão para agir como desejar, não te preocupa com nada.
— Não foi o que me disse teu filho.
— O que meu filho diz não me interessa, ele é um ótimo administrador, doutor em administração de empresas, mas não em ciências humanas, é tão frio quanto uma pedra de gelo e por isso mesmo eu criei o teu cargo, quero que meus funcionários tenham com quem falar sobre os problemas que vivem, que sintam-se mais queridos.
— A senhora me parece uma ótima pessoa, não sei o que dizer sobre esse emprego, eu não estou acostumada a morar num grande centro, mas vou dar o máximo de mim para conseguir chegar onde a senhora deseja.
— Meu filho não gosta muito de crianças, não sei porque insistiu em deixar a tua sala aqui neste prédio, cheguei a pensar que fosse alugar uma sala em outro edifício.
— Ele me disse que não gosta de crianças, não tem filhos por acaso?
— Filhos? Minha linda, nem casado ele é, tem um gênio tão difícil que nunca vai arrumar uma esposa.


Layla esboçou um sorriso, a tal senhora era extremamente agradável.
— Seu nome é Layla, não é?
— Sim, meu nome é este.
— Meu nome é Maria Antônia, mas me chamam de Tonha.
— ...
— Você parece tímida, mas não tem porque ficar calada assim, meu filho pode ser meio grosseiro contigo, mas ele está com dor de cotovelo, aconteceram umas coisas na nossa casa que o fizeram ficar assim, pior do que é.
— Entendo...
— Tenho que ir resolver alguns outros assuntos no escritório, façamos o seguinte, essa noite quero que vá a minha casa, jantaremos juntos e tu me apresenta o teu plano para o trabalho.
— Não sei...
— Estou convocando, esteja na minha casa as oito em ponto.
Layla sentia que não ia ser uma das melhores idéias de Tonha aquele jantar, mas não podia fugir disso.
Eram exatamente vinte horas quando Layla tocou a campanhia da mansão, o mordomo veio recebê-la e a dirigiu até uma enorme sala onde foi recebida por Tonha:
— Fico feliz por ter vindo minha filha, temos muito o que conversar.
— Não sei se faço o certo, a senhora deve ter muito o que fazer.
— Eu te chamei aqui minha cara, não te preocupa, sei que não vou me arrepender de ter te contratado.
— A senhora é muito gentil...


— Vamos até a sala de jantar, meu filho irá descer em poucos minutos.
Quando chegou na mesa de jantar Leonardo encontrou a garota e a mãe conversando animadamente:
— Boa noite, não sabia que a senhora tinha convidados para o jantar.
— Chamei a Layla para jantar conosco e falarmos sobre o cargo dela na empresa.
— Sinceramente mãe, não sei para que tenta preocupação com esse cargo! Se a garota diz que tem estudo para isso deixe que desempenhe o cargo dela, caso contrário ela vai ter tempo para mudar de idéia logo logo.
— Meu filho, não seja mal educado, a Layla é minha contratada, não sua!
— Mãe, eu administro as empresas desde que o pai faleceu, creio  que deveria ter autonomia para criar ou não certos cargos. Essa garota vai ser uma criadora de problemas! Mas infelizmente parece que a senhora não está mais em suas faculdades normais, desde que adotou aquele bebê!
— Desculpem-me, mas se a minha presença incomoda tanto eu posso facilmente me retirar, agora tem um pequeno detalhe, não pela senhora Tonha, a senhora como eu já mencionei é uma pessoa maravilhosa, mas por seu filho que insiste em me rebaixar, caso eu saia da empresa antes de vencer meu contrato e sem motivos justos sei perfeitamente quais atitudes tomar contra quem me prejudicar. Antes de mais nada sou uma profissional Leonardo, não posso aceitar certas humilhações.
— Está mais do que certa minha filha, não podes aceitar as humilhações do meu filho, mas não te preocupa, ele não tem poder para te demitir, só eu tenho e não pretendo fazer isso.


— Muito bem mãe, me rebaixa na frente dos empregados, depois disso eu perco o respeito deles e a senhora não resolve o problema!
— Leonardo, não seja grosseiro com a Layla!
— Desculpe dona Tonha, eu preciso ir para meu apartamento, tenham uma boa noite! Layla ergueu-se e fez menção de sair.
— Não! Fique, minha mãe tem razão, eu estou sendo grosseiro contigo, mas estou com alguns problemas...
Após o jantar Layla expôs para Tonha os seus planos, eram quase dez e meia da noite quando resolveu despedir-se:
— Bem, tenho realmente de ir, acredito que posso começar o trabalho assim que quiserem.
— Certamente, anunciarei aos empregados que sua sala estará aberta no horário de funcionamento da empresa.
— Obrigada Tonha...
— Como vai para casa?
— De ônibus...
— Não, é muito perigoso andar por aí estas horas da noite, vou mandar o Leonardo te levar em casa. 
— Não dona Tonha, não é uma boa idéia, ele não gosta muito de mim e pode se zangar com a senhora.
— O Leonardo está é com ciúmes por um bebê que adotei...
— A senhora adotou um bebê?
— Sim, um lindo bebê que me deram.
— O Leonardo é filho único?


— É... a irmã dele morreu com cinco meses.
— Deve ser por isso que ele está enciumado, mas isso passa, ele é adulto, não tem sentido para isso!
— Vou mandar o mordono chamá-lo e pedir que te leve para casa.
— Ele não vai gostar dona Tonha...
— O problema dele não é contigo, mas com a empresa, não te preocupa.
Já no carro Layla permanecia calada, tinha medo de falar alguma coisa e provocar a ira de Leonardo:
— Escuta uma coisa garota, não quero confusão com a minha mãe, por isso não vou nem sequer passar perto de ti naquela empresa, mas não faça nada de errado.
— Não farei nada de errado Leonardo, não sei porque tu tens medo disso!
— Minha mãe tem tomado umas atitudes meio estranhas.
— Ela me falou que adotou um bebê, eu acho isso muito bonito.
— Vou acreditar que tu realmente se encantou pela minha mãe e te falar a verdade Layla, espero que tu não abra essa tua boca. Esse bebê foi deixado na porta da nossa casa, nem sabemos de onde veio, na verdade não foi adotado, nem sequer procuramos a justiça. O problema é que se tirarem essa pestinha da minha mãe ela morre e se formos à justiça a essa altura não vai ser muito certo o fato de ficarmos com a criança, afinal ocultamos isso da polícia.
— É complicada essa história... Layla sentiu que a história daquele bebê não era assim tão estranha.
— Se ao menos eu soubesse quem é a mãe dessa criança, poderia pedir que nos desse algum documento, ou sei lá.
— Não fazem idéia de quem seja?


— Não... chegamos.
   Obrigada pela carona...
— De nada... garota.
Parecia que o apartamento estava longe, Layla tinha que procurar por Nicole.
— Nicole, tenho que falar contigo, urgente.
— Isso são horas de me ligar Layla?
— Eu sei onde está o teu filho, preciso que tu assine um documento doando essa criança.
— Não conte comigo nisso.
— Mas tu quer te livrar dele, por que não assinar um papel reconhecendo isso?
— Porque esse bebê não existe, nunca vou admitir que ele nasceu, jamais...
— Mas Nicole, por favor, não faça isso! O bebê está com uma ótima pessoa, que o ama, mas não pode ser adotado por alguns problemas legais.
— Que se dane! O filho não é meu, se quer fazer algo por ele faça por ti mesma, nunca mais me procure para falar sobre esse bebê!
No dia seguinte Layla não encontrou mais a ex amiga, tinha viajado sem dizer para onde, isso apenas resumia o que ela já sabia: não poderia falar a verdade sobre o tal bebê. Mas o que poderia fazer? Que atitude poderia tomar para não deixar que Tonha perdesse a guarda daquele bebê.
Pensou muito e acabou naquela manhã procurando por Leonardo:


— Desculpe por estar te incomodando tão cedo Leonardo, mas preciso falar uma coisa.
— O que?
— Vocês precisam de uma mãe para o bebê, eu pensei no assunto e tenho que te confessar uma coisa.
— O que?
— O bebê é meu filho, eu o deixei lá.
— E como pode me provar isso?
— Aqui está, a foto dele com a roupa que deixei na casa de vocês.
— É verdade, é o mesmo bebê...
Layla havia convencido Leonardo de que era a mãe do bebê, sabia que poderia estar fazendo uma besteira com sua vida, mas não poderia deixar aquele bebê ficar jogado em alguma instituição.
A tarde estava na sua sala quando viu Leonardo e Tonha entrarem sem avisar:
— Pergunte à ela mãe, pergunte sobre o bebê.
— Layla, o Leonardo me disse algumas coisas sobre tu e o nosso bebê.
— Eu disse para ele que sou a mãe da criança, mostrei uma foto que prova isso.
— Desculpe-me Layla, mas o Leonardo tu podes enganar, mas nunca eu, eu te contratei diante de uma perícia médica, sei que tu não estavas grávida e por tanto ao pode ser a mãe desse bebê. O que tu sabes sobre a criança Layla? Quem é a mãe dele?
— Não sou eu, isso é verdade, ela era uma ex amiga minha... Layla narrou a história em detalhes.


— Mas por que tu disse que era a mãe? Leonardo não podia entender.
— Eu não posso aceitar o que a Nicole fez, ela tirou o outro filho e jogou esse na rua, agora o pequeno está em boas mãos, só não quero que vá parar numa instituição de menores. Nicole foi minha melhor amiga e apesar dos erros esse bebê é dela. Assim como o Leonardo acreditou outras pessoas podem acreditar, inclusive a justiça.
— Não podes fazer isso, irias jogar tua honra fora por um filho de uma desnaturada? Leonardo caminhou até perto de Layla e a encarou.
— Certas coisas valem mais do que um nome, uma carreira.
— É melhor ficarmos calados sobre isso Layla, vamos esquecer isso... Tonha apaziguou a situação.
Por alguns dias Layla realizou seu trabalho sem encontrar com Leonardo ou falar com Tonha, mas numa noite de quarta feira ouviu o interfone tocar, o porteiro anunciou uma visita inesperada:
— Leonardo, o que veio fazer aqui?
— Minha mãe está muito doente Layla, demais... não quero que acabe morrendo com o peso de poder perder essa criança, de ver esse inutilzinho nas ruas mendigando.
— Ela ama esse bebê Leonardo, só isso, deve ser difícil perder alguém que se ama.
— Quero que ela tenha garantia de ficar com a criança, se isso lhe der paz.
— E o que quer de mim?
— Tu disse que assumiria que era a mãe dele...
— E o faria...para não vê-lo na rua.


— Então é o que vamos fazer, venha comigo, vamos falar com minha mãe, tenho uma idéia que vai facilitar esse processo todo.
— Está bem...
Tonha estava muito pálida, mas não arredava o pé do quarto da criança:
— Mãe, tenho algo para te falar.
— O que?
— Eu e a Layla vamos resolver essa história desse bebê, a senhora sabe que não quero essa criança por aqui, mas se é para que a senhora ao menos melhore essa cara de tristeza eu faço algo para garantir que o menino fique.
— E o que os dois podem fazer?
— Layla aceitou dizer que é mãe desse menino, diremos que o bebê é meu filho e dela, registraremos a criança, tenho um amigo médico numa cidade longe daqui, ele me forneceu um atestado de que a criança nasceu no hospital dele.
— Isso é ilegal, não é certo!
— Eu sei mãe, mas não podemos arriscar em fazer as coisas legalmente se quisermos que o bebê permaneça aqui em casa.
— Tenho que concordar com o Leonardo dona Tonha, não dá para agir certo, a criança ficou muito tempo escondida aqui nesta casa.
— Os dois têm idéia do que estão falando? Leonardo, não dá para sair por aí dizendo que tem um filho com a Layla se ninguém nunca viu os dois juntos...
— Pensamos em tudo, não precisamos explicar mais do que devemos, eu a conheci numa cidade do interior, ela engravidou e eu resolvi assumir e criar o meu filho.


— Parece que os dois não estão pensando em pequenos detalhes. Como vão trabalhar no mesmo lugar depois disso tudo? E tu Layla? Já pensou no que isso pode trazer para a tua vida? Tu és uma moça solteira, vai pôr a tua vida a perder por causa disso?
— Mãe, é a única solução e se o problema é a Layla, hoje em dia ser mãe solteira não é mais um bicho de sete cabeças!
— Não meu filho, mesmo que não seja eu não vou deixar que tu envolva essa garota nisso. Se essa história fosse verdade eu te faria casar com ela e criar o filho dos dois, mas como não é... não posso aceitar. Agradeço que queiram me ajudar, mas não dessa forma.
— Eu faria de bom grado Tonha... Layla virou-se para retirar-se do quarto.
— Layla, vamos nos casar então...
— O que?!!! A pergunta partiu de Layla e Tonha ao mesmo tempo.
— Eu me caso com a Layla, não tenho nada a perder, um casamento de aparências... depois nos divorciamos e pronto!
— É loucura!
— Estaria ajudando o bebê e mesmo Layla, afinal ela seria parte da nossa família já que a senhora gosta tanto dela, seria como adotar os dois.
— Deixe eu ficar sozinha com Layla...
Assim que Leonardo saiu do quarto Tonha fez com que Layla sentasse perto dela num divã:
— Tem certeza do que está fazendo minha filha?
— Tenho sim, não tenho nada a perder com isso.


— Estar casada com o Leonardo apenas para manter uma história destas pode não ser a melhor coisa que tu vai fazer.
— É como ele disse um casamento de aparências.
— Mas somente nós vamos saber disso.
— O que quer dizer?
— Leonardo é um homem de negócios, qualquer atitude dele em relação ao casamento vai repercutir na imprensa, escandalo... creio que ele nunca vai se divorciar, é feito o pai dele, vivi muito mal com ele, ele me traia, mas jamais aceitou dar o divórcio... preferia manter uma aparência de ordem falsa em tudo.
— As coisas não vão ser assim, não se preocupe, seu filho não pode me fazer mal, eu não sou tão fraca quanto ele pensa que sou.
— Se for assim, saiba que vou te aceitar como se fosse a minha filha que morreu e não minha nora.
— Está bem Tonha...
— Léo, venha até aqui. Tonha chamou pelo filho, em segundos ele estava de volta ao quarto.
— O que decidiram?
— Léo, vamos providenciar o casamento para daqui a alguns dias, não quero rumores, nada, devem casar-se quase em sigilo.
— Está bem mãe, será mesmo melhor assim.
— Tem algo mais, não quero que faça nada para que tu ou a Layla venham a sofrer depois, além disso nem mesmo os empregados devem perceber que o casamento de vocês não é de verdade.


O casamento realizou-se numa cerimônia simples e íntima, poucos convidados, sem muitas fotos.
Tonha recuperou a saúde em alguns dias, o bebê havia sido registrado, estavam seguros agora.
Leonardo havia decidido que seria melhor se Layla não trabalhasse mais na empresa, tinha medo de que a curiosidade dos empregados atrapalhasse a vida deles.
Duas semanas depois do casamento Leonardo chegou em casa cedo da tarde, Layla estava no seu quarto e só percebeu a presença dele quando o viu invadir o mesmo:
— Tu esteve na empresa com a minha mãe hoje cedo?
— Estive...
— Eu já não havia te pedido que não voltasse lá?
— Eu não sei o que tu temes... estive pensando e vou voltar a trabalhar, não posso passar o resto da minha vida trancafiada dentro desta casa.
— Não quero tu na empresa! Isso é definitivo!
— Então vou procurar outra empresa...
— Não!!! Definitivamente não! O que combinamos foi exatamente o contrário, para todos os efeitos tu agora és a minha esposa e não vai ter nenhum sentido ficar trabalhando, somos financeiramente bem sucedidos e mulher minha não trabalha fora.
— Isso é machismo! Seu machista! Eu aceitei essa história para ajudar a tua mãe, para que ela não perdesse a criança, mas não foi para que tu ficasse me tratando como... como uma coisa qualquer.
— Tu aceitou e não tem como voltar atrás, não vai trabalhar e pronto!


— Leonardo, tu não vai querer que eu passe o resto da minha vida aqui neste quarto olhando para essas belas paredes com nada além de um quadro de Picasso.
— Vai até a biblioteca, lá tem um Monet.
— Não tente me ironizar, além disso eu prefiro pintores românticos...
— Eu não acredito no que fiz da minha vida, vivi anos com uma mulher perfeita, não tinha preocupações além de maquiagem, festas e roupas, nunca quis me desafiar, deixei dela porque insistia em ter um filho. Agora estou casado com uma garota infantil, com mania de rebelde e para não deixar na rua uma criança que nem sequer tem o sangue da minha família. Definitivamente eu devo estar louco!
— Tu já foi casado? Nunca me disse nada disso!
— Nós estamos casados apenas no papel e aos olhos do povo, não creio que te deva satisfações de atos que tenha cometido antes de te conhecer. Tu vai fazer o papel de uma boa esposa na frente da sociedade e eu faço do marido, aqui dentro continuamos estranhos.
— Disso eu não tenho a mínima dúvida e nem quero o contrário. Resmungou Layla.
— É bom saber disso!
Leonardo saiu do quarto, Layla pensou por alguns minutos e foi até o quarto do bebê, não tinha grande contato com a criança, mas naquele momento sentiu vontade de ir até lá.


Chegando ao lado do berço pediu que a babá saisse por alguns instantes, ia ficar com o bebê por um tempo, ao ver a babá sair pegou a criança no colo, era um menino forte, cabelos castanhos, olhos negros, podia mesmo passar por filho dela e de Leonardo, poderia ser parecido com ele. Era um bebê de dois meses e saudável, resolveu ir até a sala com ele, sentou-se no sofá e ficou mirando aquele rostinho frágil:
— É meu pequeno, tu podias não estar vivo se não fosse o destino, mas não vou deixar que tu morras como o teu irmão... não sou tua mãe, talvez tu nunca saibas disso, eu não sei até onde eu posso achar que isso será bom para ti, não saber de onde tu veio, quem foi tua mãe, desnaturada, mas tua mãe... continuar sem um pai, porque infelizmente eu sei que o Leonardo não vai te querer bem... mas Tonha te ama e vai te fazer muito feliz pequenino, muito mais do que eu serei... do que tua mãe será.
— Falando com um bebê? Isso deve ser sinal de loucura!
— Leonardo? A quanto tempo estavas aí?
— Estava a tempo suficiente de ouvir o que tu falavas com esse pequeno coisa nenhuma.
— Nunca vai amar esse menino?
— Não! Eu não tenho esse dever.
— Nem eu, mas não posso pensar numa criança como ele por aí, sem casa...
— Tu estás querendo ser uma Madre Tereza de Calcutá? Escuta uma coisa Layla, isso ainda vai virar um inferno e tu vai desejar ter deixado esse guri na rua.
— Tu és um infantil Leonardo, um homem de quarenta anos com ciúmes de um bebê! Tua mãe te criou, mas agora ela quer uma criança, um neto que tu não vai dar para ela.
— Eu não vou? Pode me dizer por quê?
— Não gostas de crianças, não querias te casar, isso deduz que não ias ter filhos.


— Realmente, não vou ter filhos, afinal agora mesmo é que não vou, estou casado com uma menina mimada que nem ao menos minha mulher é.
— O que tu quer dizer com isso?
— O que tu entendeu, leva esse moleque para o berço, é ridículo tu com ele no colo, não combina.
— E o que combina comigo então? Não posso trabalhar, não posso segurar o bebê que está registrado como meu... o que eu posso?
— Se tu queres discutir comigo é bom guardar esse pirralho e irmos para a biblioteca para que a mãe não nos ouça, não quero que ela fique pior.
— Não quero discutir contigo, só quero ficar em paz.
— Vai para o quarto antes que eu perca a paciência contigo.
Na manhã seguinte Layla voltou à empresa, Tonha havia dado permissão para que ela voltasse a realizar o trabalho dela, eram quase onze horas quando Anastácia entrou no escritório de Leonardo:
— Vim trazer estes papéis para o senhor assinar.
— São os contratos?
— São os contratos e a carta de demissão da sua esposa, aliás ela está na sala dela atendendo.
— Layla está na empresa?
— Está, aliás, aqui estão as seus jornais, chegaram agora.
— Alguma reportagem sobre a empresa?
— Não, mas sobre seu casamento.
— Está bem, pode ir.


Leonardo leu a tal notícia, saiu da sala com o jornal nas mãos e foi direto para a sala de Layla, entrou e trancou a porta: 
— Já sei, não me quer aqui na empresa, não te preocupa, vai ser só dois dias por semana.
— Isso já é fato, mas tem algo além, leia isso.
— Ler o que?
— Esse jornal, leia o que fala sobre o nosso casamento!
Layla leu rapidamente o texto.
— Viu só no que deu?
— Isso são fofocas de jornal, nada além.
— Tu não te preocupa porque não está acostumada com essa vida, no nosso meio não podemos nos expor á situações como estas, tudo reflete nos negócios.
— Eu sou pobre sim Leonardo, é isso que tens tentado jogar na minha cara por dias, chega, não estamos na tua casa, não tem perigo da tua mãe nos ouvir! A sugestão de nos casarmos foi tua, eu não tive essa idéia! Mas tu sabias que eu não era da mesma classe social que tu!

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