quinta-feira, 28 de abril de 2011

O FIM DE UMA VINGANÇA

As ruas da pequena cidade pareciam mortas, nada de estranho poderia acontecer num lugarejo como aquele. A tranqüilidade consumia cada canto da cidade, havia ali um ar de passado impregnando cada milímetro, como se o tempo ali estivesse morto.
A forasteira havia aparecido do nada, um belo dia um táxi parou em frente à velha casa e a garota surgiu. Ninguém sabia ao certo quem era ou o que pretendia ali, viam-na caminhar algumas vezes pelo cemitério, ou quando raramente ia ao mercadinho, seu mistério havia tomado a pequena cidade de Santa Efigênia desde o primeiro dia em que apareceu. Vestia-se de negro, tinha um olhar perdido, do tipo que não encarava ninguém quando falava, além do cemitério e do mercadinho somente a viam caminhar durante a noite.
Alguns dias depois de sua chegada um carro veio e entregou várias caixas, depois nada mais se viu. Não parecia ter família, vivia só.
Era uma garota sem muitos encantos, a única coisa que a fazia diferente de tantas outras era seu comportamento, haviam instalado um telefone na casa pouco antes dela chegar, o que parecia um sinal de que ela deveria ter contatos com alguém. Logo começaram as especulações, suspeitas de todos os níveis sobre a vida da estranha mulher da casa ao lado do cemitério: bruxa, fugitiva, louca ou algo além. Porém ninguém tinha coragem de perguntar quem era a mulher de negro.
Seu nome era Allanna, era somente o que sabiam...
Seu interesse era o velho cemitério, havia uma estranha atração por um túmulo em especial, um velho túmulo que trazia em sua lápide um nome gasto pelos anos: Anne Marie.


Justamente este túmulo tornou-se a curiosidade do povo, tanto pesquisaram entre os antigos da cidade que descobriram que Anne Marie havia morrido a muitos anos, contavam que havia caído de uma ponte pencil e fraturado quase todos os ossos do corpo numa pedreira.
Contavam muitas coisas... mas somente não contavam o que realmente havia acontecido.
Certa tarde Allanna havia resolvido ir até o mercadinho, lá encontrou como todos os dias em que o freqüentava, Marta, a dona, desta vez porém resolveu perguntar sobre a história de Anne Marie.
_ Anne era uma jovem, devia ter a sua idade, é... pelo que minha mãe contava... dizem que se apaixonou perdidamente por um rapaz estranho, um moreno, sua família jamais aceitaria o namoro, eram descendentes de alemães, porém Anne o amava e passou a encontrar-se as escondidas com ele, mas ela tinha uma irmã.
_ Uma irmã?
_ Sim, e ao que me parece esta irmã descobriu tudo e também se encantou pelo moreno, porém ele só tinha olhos para sua Anne.
_ E então o que houve?
_ Uma tarde ela seguiu Anne, quando esta voltava de um encontro com seu amado ela a empurrou da ponte.
_ Anne foi morta pela irmã?
_ Sim, quer dizer, é o que minha mãe contava, o povo acusou o pobre moreno, seu nome era Pedro.
_ E o que aconteceu com Pedro?
_ Foi morto meses depois numa briga de bar.
_ Mas todos sabiam que ele era inocente... ou não?
_ Não, sempre o acusaram pela morte da garota, meus pais o julgavam inoscente porque eram de gente morena também.


_ Obrigada por me contar esta história... a senhora não sabe de nenhuma foto deles?
_ Talvez na velha casa que foi dos pais de Anne exista uma foto dela, mas infelizmente um forasteiro a comprou com tudo o que havia dentro.
_ Um forasteiro?
_ Sim, um tal de Paulo, dizem que ele quer demulir os velhos túmulos lá do cemitério, desculpe, é que eu sempre te vejo lá no cemitério.
_ Não tem problema, eu estou interessada naqueles túmulos, são parte da história, se depender de mim este forasteiro não toca nos túmulos.
Pela primeira vez Allanna havia falado com alguém sobre os túmulos, de certo modo havia quebrado um pouco do mistério que a cercava.
No dia seguinte alguém a procurou no cemitério, encontrou-a com um bloco anotando nomes e datas:
_ Estava te procurando.
_ E quem é você? Allanna nunca havia visto o tal homem.
_ Sou Paulo Salles, soube que querias ver uma foto da tal Anne Marie.
_ Queria sim, podes me mostrar?
_ Não só de Anne como de Pedro.
_ Seria ótimo...
_ Venha até a minha casa hoje pela tarde e eu te mostrarei as fotos, creio que temos muito o que conversar.
Allanna resolveu aceitar o convite, foi até a tal casa, porém ao ver a ponte que deveria atravessar para chegar até seu destino sentiu um calafrio percorrer seu corpo, respirou fundo e foi em frente, ao chegar na tal casa chamou por Paulo, este veio atendê-la e convidou-a para que entrasse:


_ Aqui neste velho álbum eu tenho as fotos que te falei, as fotos do tal Pedro.
Tomando o velho álbum nas mãos Allanna não acreditou no que via, era exatamente o mesmo homem que estava ali em sua frente: Paulo e Pedro eram iguais.
_ São extremamente parecidos!
_ Sim, somos tão parecidos quanto um sobrinho pode ser com seu tio.
_ Era teu tio?
_ Sim, era meu tio, único irmão de meu avô paterno.
_ Que maravilha!
_ Por que maravilha?
_ Por nada... esqueça.
_ O que te interessa esta história?
_ Soube que queres demolir os túmulos, entre eles o de Pedro e de Anne. Por que isso?
_ Para apagar de vez esta desgraça de minha família, escute uma coisa, não tente interferir nisto, não tente me impedir. Soube que andas pesquisando aquele cemitério, mas lá nada te interessa.
_ O que há de tão mal naquele lugar?
_ Meu tio foi morto por culpa deste povo, por culpa daquela mulher, existe um jura em nossa família, a primeira mulher daquela raça que cruzar o caminho de um de nós deverá pagar por tudo.
_ E o que os túmulos tem com isso?
_ Tudo, devem sumir para apagar esta história, Pedro não era um assassino, não devem lembrar de nossa família como tal.
_ Não lembram...
_ Como tu podes afirmar?


_ A dona do mercadinho me contou a história, ela me disse que ele não foi o culpado.
_ Só ela acredita nisso.
_ E da Anne, não tens uma foto?
_ Ali, sobre aquela parede... Paulo indicou uma parede e voltou os olhos para uma velha moldura, ao mesmo tempo em que Allanna.
_ Então esta era Anne?
_ Que brincadeira é esta? Paulo descontrolou-se num repente.
_ O que houve Paulo?
_ Tu és igual a esta mulher. És uma delas... malditas! Então ainda existem?
_ Ah Paulo, não seja tolo, não sou parecida com ela... sou igual, sou prima dela.
_ O que?
_ Sou prima dela.
_ E o que tu faz aqui?
_ Vim cuidar dos túmulos abandonados de minha antiga família, soube desta história e resolvi investigar.
_ Tu não vai me impedir de demulir aquele túmulo...
_Vou sim, e não tente me impedir.
Ao terminar de falar aquilo Allanna saiu desesperada, tinha que conseguir impedir a demulição dos túmulos.
Daquela tarde em diante a vida de Allanna tornou-se um inferno, todos os dias recebia recados de Paulo dizendo que demuliria os túmulos na semana seguinte. Calada resolveu agir na surdina. No exato dia da demulição Paulo chegou no cemitério logo pela manhã, tudo estava pronto, porém Allanna chegou logo em seguida com um senhor que trabalhava na Prefeitura e alegou ser parente dos mortos e não permitir a demulição.


Confusão formada, os túmulos continuaram de pé.
Dias depois a garota recebeu um bilhete de Paulo, este pedia desculpas e a chamava para conversarem. Inoscente ela aceitou.
Ao chegar na casa dele encontrou-o sentado na escada com um sorriso sarcástico nos lábios, ela porém preferiu ignorar o gesto e perguntar:
_ O que aconteceu?
_ Nada... apenas resolvi terminar o que comecei.
_ O que?
_ Nada, entre por favor.
Allanna entrou desconfiada, ele trancou a porta e voltou-se com um sorriso maligno:
_ Vamos terminar logo...
_ O que quer dizer com isso?
_ Tudo e nada... meu tio morreu por amar uma de vocês, agora vamos acabar com essa história de uma vez por todas.
_ Como?
Ele a puxou e beijou-a, depois com um ar estranho pegou um esqueiro e disse:
_ Te roubei um beijo para que soubesse que mesmo diante do ódio que tenho de ter por ti ainda assim eu te desejo, agora vou atear fogo a esta casa.
_ Queres me matar? É isso?
_ Nos matar...
_ Não faça isso, por favor...
_ Implore!


_ Não Paulo! Não te imploro! Queres me matar, mate, mate e fique aqui, queime junto comigo então, queime para que todos pensem novamente na tua família como na de um assassino.
_ O que tu quer? Não tens medo ou amor á vida?
_ Tanto quanto tu tens...
_ Vá embora daqui, agora, não torne a cruzar meu caminho ou te mato...
_ Mate... já não seria vingança e só loucura.
Allanna não podia esquecer os olhos daquele homem, temia que ele enlouquecesse de vez, mas não podia deixar-se vencer.
Dias depois estava no cemitério, havia levado flores aos túmulos, pois no dia seguinte iria embora, tão distraída estava que nem ao menos viu quando alguém se aproximou:
_ Vim te pedir desculpas, estou indo amanhã mesmo embora...
_ Eu também...
_ Creio que passamos dos limites com nossos loucos devaneios.
_ É verdade...
Durante os minutos em que eles estavam conversando alguém entrou no cemitério, um homem armado, ao vê-los gritou com ódio:
_ Finalmente te encontrei! Vagabundo!
_ Álvaro? Paulo reconheceu o estranho, Allanna estava sem movimentos, correr poderia resultar num disparo.
_ Te procurei por este tempo todo, te procurei para vingar a morte de meu irmão... O estranho estava descontrolado.
_ Eu não matei teu irmão por querer, apenas me defendi...
_ Conversa! Ele era só o que eu tinha, vou te matar... mas antes deixe que eu mate esta menina, talvez ela signifique algo para ti.


_ Não, por favor! Me mate mas não a machuque...ela não tem nada com isso.
Paulo queria proteger Allanna, porém o estranho apontou e disparou... uma fração de segundos e Paulo se atirou sobre a garota, seu braço foi atingido.
Caídos no chão tornaram-se presas fáceis para o louco, num segundo o revólver tornou a disparar... ferido novamente Paulo estava quase agonizando, olhou uma vez mais para Allanna que abraçada a ele chorava:
_ Desculpe... acho que estava começando a te amar...
Louca pela dor e por uma confusão de sentimentos ela o deixou beijá-la, outro tiro e tudo calou-se.
Encontraram os dois mortos, ele deitado sobre o túmulo de Pedro e ela sobre o túmulo de Anne.
Quase seis anos depois a cidadezinha ainda não havia esquecido a morte dos dois jovens, haviam enterrado-os em um malsoléu, lado a lado.
Tudo corria normalmente naquele lugarejo, as mortes eram recordadas como se fossem obra do destino, uma repetição do passado.
Exatamente nesta época apareceu na cidade uma garota, deveria ter a mesma idade que Allanna tinha na época em que morreu.
Como Allanna ela também fazia seus estranhos passeios ao cemitério, porém eram muito mais freqüentes durante a noite do que o dia, era vista muitas vezes com um destes kits de pintura na praça, outras vezes recebia correspondências de grande volume, o que a afastava definitivamente de Allanna, e mais ainda do isolamento.
Zandra, este era seu nome, havia chego na cidade numa manhã ensolarada, desceu do táxi e tirando os óculos escuros fitou toda sua volta, um sorriso cortou seu rosto, voltou-se novamente para o táxi e pagou o motorista que acabava de retirar sua bagagem, algumas caixas e bolsas. A casa era a mesma em que Allanna morava.


Um belo dia a garota estava no mercadinho, Marta fitou-a por alguns instantes:
_ Tens parentes por aqui?
_ Não, por que?
_ Engraçado, tu me lembras muito alguém.
_ Seria muito perguntar quem?
_ Não, a moça que foi morta a alguns anos aqui, a que está lá no malsoléu, ela era muito parecida contigo.
_ E o que aconteceu com ela?
_ Um homem a matou junto com um rapaz da cidade, uma longa história.
_ Poderia me contar?
_ Claro... Marta narrou toda a história, desde Anne Marie.
_ É uma bela história...
_ Triste eu diria.
Zandra voltou para casa com uma certeza e muitas dúvidas. Naquela noite foi a cemitério, o malsoléu estava trancado com um cadeado, ela porém abriu-o com um grampo de cabelo e entrou, no interior encontrou dois túmulos, acendeu as velas que haviam ali e procurou olhar a foto da mulher enterrada ali. Seu susto não foi maior porque Marta já a havia falado sobre a semelhança, olhou o outro túmulo e viu um homem bastante belo. Agora restava descobrir quem era Paulo.
Na manhã seguinte resolveu voltar ao malsoléu, lá encontrou um estranho, assustada recuou...ele porém a chamou:
_ Escute, por favor, não vá. Sabe quem esteve neste malsoléu?
_ Sei... eu estive.
_ Tu és a garota que mora aqui ao lado?
_ Sim, eu sou... desculpe, mas são seus parentes?


_ Ele era meu irmão...
_ Irmão? Ao ouvir a explicação do estranho Zandra percebeu a semelhança dele com  Paulo.
_ Estranho, agora que te olhei é que pude perceber como tu és...igual a esta mulher que está aqui com ele!
_ Desculpe a intromissão, mas tu falou de uma forma tão...tão despresíva sobre ela.
_ Ah sim, ela é a culpada pela morte do meu irmão, por culpa dela ele acabou desta forma.
_ Que horror! Mas espere, eu ouvi falar que a culpa não foi de nenhum dos dois.
_ Tu és parente dela?
_ Não! Eu nem sei, quer dizer, nem sabia que ela existia.
_ Espero que seja verdade...mas me diga, o que faz aqui?
_ Estou apenas vadiando...
_ Interessante! Por que justo aqui em Santa Efigênia?
_ É que eu tenho algo para fazer nesta minha vadiagem.
_ Como assim?
_ Sou uma escritora de primeira viagem, estou buscando subsídios para escrever um romance.
_ Muito bem, e sobre o que pretende escrever?
_ Me interessou muito esta história de amor e ódio secular de sua família e da família dela.
_ Posso te ajudar, venha comigo que te mostro umas coisas que encontrei na casa de meu irmão.


_ Poderia?
_ Claro que sim.
_ Não vou dispensar este favor.
_ Vamos então...
Zandra acompanhou o rapaz até a mesma casa que antes fora de Paulo, somente quando entraram é que ela lembrou-se de algo:
_ Esqueci de perguntar qual seu nome...
_ Meu nome é Igor, e o seu?
_ Zandra, Zandra d’Ávila.
_ Realmente, teu nome não tem nada com o dela, o nome delas é Daniken.
_ Finalmente te convenceu disto?
_ Deve mesmo ser uma triste coincidência do destino este teu rosto, mas deixa para lá.
_ Assim tu me ofende. Sou tão feia assim?
_ Não foi isso que eu disse, se minha família achasse alguma delas feia não teria perdido dois homens por amá-las.
_ Vamos mudar um pouco o rumo desta conversa, deixe-me ver o que tu tens aí sobre essas histórias.
_ Espere um pouco. Quando Igor a deixou só na sala Zandra pode respirar, o lugar a fazia sentir algo inexplicável, algo que nunca havia sentido.
_ Aqui está, são as fotos dos antigos e algumas fotos de meu irmão e dela, depois da morte dos dois as coisas dela vieram para cá, parece que ninguém reclamou nada.
_ Nossa! Que estranho!
_ É realmente estranho, mas não me importa, se algum dia eu encontrar uma delas eu continuarei a vingança.


_ Que vingança?
_ Desde que meu tio foi morto de forma humilhante que uma jura existe entre os homens de minha família, o que encontrar uma delas deverá vingar-se... eu sou o último de minha raça.
_ Desculpe, mas não sei se vale a pena lutar por uma vingança, eles estão mortos e tu...tu está vivo.
_ Vale sim, quando se tem o sangue envolvido nisto vale a pena.
_ Vou embora, obrigada por tudo.
Ao chegar em casa Zandra encontrou algo que não esperava, um recado na caixa postal, ao ouvi-lo entrou num monólogo:
_ Era o que me faltava, justo agora está maluca da Tayse vir para cá, preciso convencê-la de que tem de ficar calada.
No dia seguinte Tayse chegou na cidade, veio com o primeiro ônibus e um carro a levou até a casa de Zandra, ao entrarem Zandra foi logo partindo para cima da amiga:
_ Quando te convidei para vir tu não quis, agora não me venha arruinar com tudo!
_ Calma, eu estou disposta a colaborar! Me diga o que fazer?
_ Meu nome é Zandra d’Ávila, não esqueça disso, viemos de São João.
_ Nome falso? Para que isso?
_ Questão de vida ou morte, agora fique na tua, vem sempre aqui para estes lados um homem, o nome dele é Igor, para ele eu sou uma escritora de primeira viagem, tu és minha irmã, Antônia, Tonha.
_ Está bem! Mas para que isso? Escritora de primeira viagem?
_ Fique na tua, não vá pôr tudo a perder!
_ Certo...


_ Vou amanhã mesmo até o presídio estadual, quer ir comigo?
_ Vou... mas o que queres lá?
_ Vou te contar amanhã...
Quando o dia amanheceu um táxi parou na porta da casa de Zandra.
O presídio era o lugar mais estranho que ela poderia procurar, porém lá estava, esperando numa sala para ver um prisioneiro: Álvaro.
Ao entrar na sala ele emudeceu, pálido cambaleou até a cadeira:
_ Eu te matei...
_ Não, eu estou aqui e serei teu inferno...
_ Não pode ser!

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